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Classe operária e privatização

Folha de S. Paulo (26/03/1989)


Agora que o problema da privatização de serviços públicos amadurece obviamente para solução, é natural que todas as classes e estamentos que compõem a sociedade brasileira tomem posição, à vista dos seus interesses específicos. Os equívocos, nessas primeiras tomadas de posição não devem surpreender. Raramente as sociedades se movem de caso pensado, em direção preestabelecida. Ordinariamente, o movimento precede a consciência.


Na espécie, isto é, no que tange ao problema da privatização é essencial que percebamos que, assim como antes havia um setor privado e um setor público e agora há um setor privado, podemos estar certos de que, no futuro esses dois setores estarão presentes. Não se trata, pois, de saber que é que, em tese, é melhor: se a gestão privada ou a pública, porque ambas, como a fênix fabulosa, renascerão das próprias cinzas.


Já era tempo de que o operariado, que já não é mais uma simples multidão – uma classe em si, mas não uma classe para si –, tomasse cartas nesse jogo. Hoje o proletariado brasileiro tem partidos políticos (vários), tem órgãos bem estruturados de assessoramento, como o Dieese, que, no seu papel, não tem mais apenas militantes sindicais empíricos, mas também mestres em economia por nossas melhores universidades. Como essa jovem mestra pela Unicamp, Fábia Tuma, e que, em conjunto com o líder sindical Kjeld Jakobsen, da CUT, publicou um interessante artigo, nesta Folha de 8.2.89, sob o título: “Privatização – um erro com jeitinho brasileiro”.


Nestes arraiais, o debate apenas começa, de modo que os equívocos se permitem. Para começar, eles nem sequer se levantam a questão de saber que novas funções assumirá o Estado brasileiro, quando algumas das que tem atualmente passarem à iniciativa privada, mas haverá tempo para isso. Importante, em sua abordagem, é a tentativa de formular o problema sob a ótica do proletariado. Este ganhará, ou perderá? Onde, quando e como?


Na sua abordagem inicial, o proletariado somente teria a perder. Uma atitude afinada com as das demais classes relevantes, inclusive esse empresariado capitalista que, muito à ligeira, os autores citados apontam como os ganhadores óbvios, numa visão equivocada, visto como, ao primeiro exame, todos parecem condenados a perder. A privatização com que o empresariado sonha não entra na ordem natural das coisas. Ele sonha, como de costume, com uma privatização dos lucros, combinada com a socialização dos custos. Somente aos poucos irá percebendo que é do seu interesse assumir os custos, porque seu problema fundamental consiste em não saber que destino dar às sobras de caiza, atuais e potenciais, isto é, a resultarem da plena utilização da capacidade ociosa ora sob seu comando.


Mas não é de assessorar o empresariado capitalista que hoje nos ocupamos. Através da superação dos justificados equívocos da jovem mestra Fábia e do jovem líder eletricitário Jakobsen, o que hoje nos interessaria seria libertar o proletariado brasileiro dos seus justificáveis equívocos iniciais. Alguns deles.


Para começar, o setor público da economia brasileira, nesta crise, como nas que a precederam, não é homogêneo. Integram-no empresas pertencentes a ramos oriundos da chamada livre-empresa, mas que, tendo crescido mais do que o sistema o comporta, foram impelidos à falência. A estatização dessas empresas operou como uma espécie de seguro contra o desemprego, isto é, interessava às massas trabalhadoras. Sua reprivatização, ao contrário do que supõem nossos jovens articulistas, pode impelir à falência outras empresas dos mesmos ramos, ainda não recauchutadas com dinheiro público, como elas. Ora, a iniciativa privada não deixará de sanear a folha de pagamentos de ditas empresas, levando novos contingentes ao “exército industrial de reserva”, isto é, ao desemprego.


Seria natural, portanto, que o proletariado utilizasse toda a sua crescente influência, no sentido de compensar esse inevitável engrossamento das fileiras do desemprego, com medidas adequadas, a começar por um sério seguro contra o desemprego e por medidas tendentes a dar novo destino, ou a reduzir, as levas do êxodo rural.


Não se justifica que um quadro sindical – como são nossos talentosos articulistas – ignore que esse engrossamento do “exército industrial de reserva” tenha repercussão sobre o nível dos salários dos trabalhadores da empresa privada incomensuravelmente maior do que a que eles atribuem ao “referencial” representado pelo nível salarial dos trabalhadores das estatais. O efeito líquido será, portanto, depressivo.


Inversamente, a privatização de empresas do ramo dos serviços de utilidade pública deverá ter efeito estimulante sobre o esforço nacional de formação de capital e, por essa via, sobre o volume de emprego, como regularmente acontece em nossas fases “a”, ou expansivas, dos nossos ciclos breves. Ninguém deve ignorar que, nas presentes condições, a liquidez do sistema está no setor privado, não no setor público. Este, ao contrário, está endividado, dentro e fora do país, ao ponto de que o simples “rolamento da dívida” converteu-se num problema sem solução.


Ora, imaginar que tal setor público, obrigado a pagar juros cada vez mais extorsivos, pode oferecer serviços baratos às massas populares mais carentes, é ignorar o que há de mais essencial em nossa presente crise. O que estamos assistindo é uma elevação indiscriminada das tarifas dos servidores a cargo do setor público, acompanhado da proposta de demissões também indiscriminadas para “enxugar” as folhas de pagamento das estatais. Assim, os efeitos indesejáveis da privatização, com os quais nos acenam nossos amigos articulistas, aí estão, não em consequência das privatizações que não aconteceram ainda, mas, muito precisamente, da ausência delas.


Por outro lado, tratando-se da privatização de serviços públicos, trata-se, muito precisamente, de substituir concessões de serviços públicos a empresas públicas, por concessão de serviços públicos a empresas privadas – uma categoria jurídica bem definida em todo o mundo e que se trata apenas de reformular o acordo com os padrões universalmente aceitos. Ora, esses serviços, ao contrário, estão subdimensionados, isto é, carecidos de investimentos que o Estado não pode fazer.

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