top of page

Diálogo “africanos e afrodiaspóricos”: sobre Angola e a África

Atualizado: 11 de fev.

No dia 14 de junho de 2023, sob a coordenação da Prof.a Isa de Oliveira Rocha, o Laboratório de Planejamento Urbano e Regional (Labplan), no Centro de Ciências Humanas e da Educação (Faed) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), realizou diálogo sobre a África e Angola, entre o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental (Ppgplan), Filipe Tchinene Calueio, e o geógrafo e egresso da Universidade de São Paulo (Usp) e da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), Armen Mamigonian.


Falando de novas infraestruturas na África…


Mamigonian: Um porto melhor?


Calueio: Um porto melhor, (Lobito é um porto do mesmo nível de Luanda), que o de Luanda, e aí desse porto sai uma linha férrea que atravessa a África inteira.


Mamigonian: A África inteira?


Calueio: A África inteira. Está sendo financiado pela China. E já está quase completamente terminada.


Mamigonian: E vai de Lobito para?


Calueio: Para Beira, Moçambique e sobe para Mombaça no Quênia.


Mamigonian: Onde?


Calueio: Mombaça, no Quênia.


Mamigonian: Que fica onde, no Índico?


Calueio: No Índico, na parte oriental da África.


Mamigonian: Qual é o país ali?


Calueio: Quênia.


Mamigonian: Quênia?!


Calueio: Isso.


Mamigonian: Desculpe, e essa ferrovia vai até lá? Já está pronta?


Calueio: O que está pronto agora, que eu sei que está pronto, para turismo e para carga de minérios, saindo de Lubumbashi no Congo, é o trecho de Lobito até a Tanzânia em Dar er Salaam a maior cidade da Tanzânia. De Lobito até Tanzânia esta linha férrea está completa. Agora eu não sei dizer se a de Tanzânia para Mombaça está concluída, não sei dizer agora, é um ponto da pesquisa.


Mamigonian: E Tanzânia vai até o Índico também?


Calueio: Tanzânia está no Costa Leste, mas pela sua densa extensão, ocupa também o Centro.  Tanzânia sobe para Mombaça que está no Índico da África.  Essa linha férrea em Mombaça sobe também para Djibouti passando por Addis Abeba, aonde tem a composição militar chinesa na África. É a maior composição chinesa na África.


Mamigonian: É uma base naval?


Calueio: É uma base naval chinesa.


Mamigonian: Já praticamente na entrada do Mar Vermelho.


Calueio: Exato, na entrada do Mar Vermelho.


Mamigonian: A ferrovia vai para lá.


Calueio: Benguela, Lobito, aqui, nessa pontinha (mostrando o mapa), e o Caminho de Ferro de Benguela, a CFB, ele sobe isso aqui, passa Angola inteira, tudo isso aqui e sobe até aqui na fronteira com o Congo. O Congo Democrático. Aqui é Lumbumbashi, um dos maiores pontos de produção de minério no mundo. E aqui continua para Tanzânia atravessando a Zâmbia  no centro da África.


Mamigonian: Isso aqui está certo mesmo?


Calueio: E agora?


Mamigonian: Angola tá aqui.


Calueio: Isso tudo é Angola.


Mamigonian: Tudo isso é Angola?!


Calueio: Tudo isso é Angola. Deixa eu pegar aqui.


Mamigonian: Lobito fica aqui no extremo sul?


Calueio: Isso.


Mamigonian: Benguela, Lobito. Essa ferrovia sai daqui…


Calueio: Corta Angola inteira e sobe até aqui, até a fronteira.


Mamigonian: Aqui é a Tanzânia?


Calueio: Aqui é o Congo.


Mamigonian: O antigo Congo Belga.


Calueio: Aqui é o Congo Belga a RDC, o Brasaville fica na outra ponta. O Congo Belga é a República Democrática do Congo. Essa aqui é a República  do Congo, .


Mamigonian: Enfim, essa ferrovia depois vai até aquele porto que tu estavas falando, aonde a “chinesada” tem a base naval?


Calueio: Onde tem a base naval, primeiro chega em Mombaça, um dos maiores portos da África financiada pelos chineses.


Mamigonian: E aí daqui faz o percurso.


Calueio: Sobe, ele vai até a província de Lumbumbashi. A linha férrea termina aqui e daqui ela corta tudo isso aqui e sobe para a Tanzânia, atravessando a Zâmbia.


Mamigonian: Continua então?


Calueio: Continua para Tanzânia, sobe para Tanzânia e aqui vai até Mombaça no outro extremo que é o Índico também. Então o objetivo da China com isso aqui é juntar o Atlântico e o Índico através dessa linha férrea no meio da África.


Mamigonian: Mas não é aqui que tá o porto naval?


Calueio: O porto está aqui.

Mamigonian: Um pouquinho mais ao norte e a ferrovia vai pra lá também?


Calueio: Aqui eu sei que tem uma que sai de Mombaça para Djibouti, com outro financiamento atravessando a Ethiopia.


Mamigonian: Já era provavelmente uma que já existia, essa ferrovia.


Calueio: Provavelmente já era. Essa aqui também houve uma disputa enorme. No período colonial, o governo, do Império Português, tentou ocupar toda essa faixa central da África, que ficou conhecido através do geógrafo expedidor colonialista português Serpa Pinto como Mapa Cor-de-Rosa. Mapa Cor-de-Rosa era a intenção de Portugal ocupar toda essa parte para poder lhe dar o passe do Atlântico e do Índico, entretanto isso o obrigaria a passar sobre essa região do antigo Norte da Rodésia. O Norte da Rodésia era ocupado pelo Império Inglês, que também tinha uma projeção de linha férrea saindo de Cairo, Egito para a região de Transvaal que agora é Joanesburgo.


Calueio: E a linha férrea passava necessariamente aqui. Nesse ponto aqui houveram conflitos entre o governo do Império Inglês e o Império Português. A China só refaz a pretensão do Império Português. Portugal conseguiu construir essa linha férrea aqui de Lobito até a fronteira financiado por Leopoldo II, o Belga.


Mamigonian: Portugal é que construiu?


Calueio: Ficou desabilitada, ela construiu mas ficou desabilitada. Não terminaram por causa desse conflito, foi financiado pelo reinado de Leopoldo II.


Mamigonian: A ferrovia começou então. De Lobito também?


Calueio: Essa é uma das mais antigas de África, essa ferrovia, mas ela foi totalmente requalificada. Tiraram todos os ferros e isso eu ainda vi.


Mamigonian: Quer dizer que existia então uma ferrovia portuguesa.


Calueio: Existia uma ferrovia portuguesa.


Mamigonian: Mas não funcionava?


Calueio: Não funcionava.


Mamigonian: Essa ferrovia portuguesa era de Lobito até onde?


Calueio: De Lobito até Luau. Luau é uma cidadezinha bem pequena, na fronteira com o Congo Democrático, o Congo Belga. Então internamente aqui funcionava o caminho de ferro de Lobito. Funcionava apenas na Província de Benguela mesmo, dentro da província.


Mamigonian: Chegou a funcionar então?


Calueio: Chegou a funcionar tranquilamente, mas não nessa dimensão internacional.


Mamigonian: E nessa época portuguesa funcionava para transportar o que?


Calueio: Commodities, transfusão de commodities no espaço interno, mobilidade de pessoas também. Mas agora para a China isso é diferente. Produtos do porto de Benguela que passam por tudo isso aqui e vão para o outro lado do continente.


Calueio: Eu não sei dizer se já se consegue sair de Angola para Mombaça, isso não sei dizer, mas eu sei que até Tanzânia vai. Dezembro do ano passado (2022) houve um transporte, um comboio que saiu da Tanzânia até ao Lobito..


Mamigonian: Essa presença chinesa tem quanto tempo? Não tem muito tempo?


Calueio: Não, desde 2004.


Mamigonian: Mas 2004 era pouco?


Calueio: Era pouco.


Mamigonian: Quando é que aumentou?


Calueio: Em 2014 o Brasil sai fortemente de Angola e a China pegou. Agora o Brasil está voltando paulatinamente pelo que eu estou vendo com alguns contratos. A disputa pela construção de infraestrutura era entre o Brasil e a China.


Mamigonian: Disputa entre Brasil e China, na infraestrutura? O que que o Brasil se meteu a fazer?

Calueio: Também construção de avenidas, por exemplo. O projeto Água para Todos, o saneamento básico em Angola, foi todo realizado pela Odebrecht.


Mamigonian: O principal (projeto) que o Brasil estaria  metido, qual seria?


Calueio: Hidrelétricas.


Mamigonian: Mas hidrelétricas são antigas, aquelas da época da Independência?


Calueio: Aquela também. O Brasil fez uma, a maior hidrelétrica de Angola, a de Capanda, foi construída pela Odebrecht.


Mamigonian: Pelo Brasil na época do Geisel?


Calueio: Não, recentemente. A partir de 2002. Essa de Capanda é nova.


Mamigonian: Mas antes disso o Brasil já estava metido em construção hidrelétrica em Angola. Com a Odebrecht, que era uma empresa metida em infraestrutura. O Brasil importava petróleo de Angola e pagava com a construção de uma hidrelétrica lá, naquela época, com General Geisel. Não te lembras do General Geisel?


Calueio: Do Geisel eu sei da aproximação do Geiselás com o MPLA na altura, mas eu não sabia que eles chegaram a construir uma usina hidrelétrica naquela época.


Mamigonian: Uma usina hidrelétrica foi feita como pagamento do petróleo.


Calueio: Vou dar uma olhada e pesquisar para ver qual é a usina que o Brasil construiu no governo Geisel em Angola.


Mamigonian: Isso, a Odebrecht era a empresa brasileira, uma empresa de tecnologia ligada a infraestrutura hidrelétrica, siderurgias, ela era capaz de construir qualquer coisa. Quando Angola proclamou a independência o primeiro país a reconhecer a independência foi o Brasil, antes da União Soviética, com o General Geisel.


Calueio: Sim, isso eu estou sabendo, o Brasil reconheceu e na mesma noite. Duas horas antes da Proclamação da Independência o Brasil já tinha anunciado a abertura do consulado em Luanda.


Mamigonian: Isso é coisa brasileira, antes da independência vamos colocar a embaixada.


Calueio: Um consulado  duas horas antes da Proclamação da Independência.


Mamigonian: Isso é bem brasileiro. Quer dizer que o Brasil está metido nisso também.


Calueio: O Brasil está.


Mamigonian: Mas não muito, perto da China.


Calueio: Não, hoje está lá embaixo. Mas em 2008 o Brasil já chegou a liderar o investimento externo direto em Angola.


Mamigonian: Era um investimento direto, significava ter, por exemplo, indústrias lá?


Calueio: Significava até indústria do Brasil. O Brasil exportava via contratos.


Calueio: Eu estou analisando agora os contratos, são mil e poucas páginas que estamos vendo todos os contratos de 2008. De 2002 a 2014, da Odebrecht, Andrade Gutierrez e a Camargo.


Mamigonian: Corrêa?


Calueio: Camargo Corrêa. O que que esses contratos diziam 65% do valor que o BNDES disponibilizava para essa empresa ia para Angola em forma de materiais. Eram materiais produzidos aqui no Brasil. O antigo Chanceler do Itamaraty, o agora conselheiro, qual o nome, professora? Eu esqueci o nome dele agora, o embaixador, eu esqueci o nome dele agora.


Calueio: Ele chamava de exportação da engenharia brasileira esse tipo de contrato. Ele falava “a gente não está indo lá produzindo, comprando a infraestrutura a partir de outros mercados, a gente está exportando nossa produção para outros mercados que conseguimos competir diretamente com outras economias. Então era uma tentativa de exportação da engenharia brasileira mesmo. Com isso, 65% desse valor era exportado em engenharia produzida no Brasil, através de produtos brasileiros.


Mamigonian: E implantado lá? E continua sendo o petróleo a maior exportação?


Calueio: Continua sendo, hoje estamos em 85%. Houve uma tentativa de diversificação da própria economia.


Mamigonian: Está havendo?


Calueio: Nem tanto.


Mamigonian: Pouco?!


Calueio: Pouco, porque sete anos desse projeto de tentativa de diversificar a economia, até agora ainda somos dependentes. 85% do PIB é de origem petrolífera. Depois de sete anos ainda é pouca coisa, há pouca vontade para diversificar.


Mamigonian: E o governo revolucionário, quando se instalou, fez alguma reforma agrária ou não fez nada?


Calueio: A terra em si, em Angola, pertence até hoje ao estado, é propriedade do Estado.


Mamigonian: As terras?


Calueio: As terras até hoje são propriedade do Estado. Até na última legislação, na última reforma constitucional em 2010, a terra ainda pertencia ao Estado e o Estado dava títulos para uso individual e coletivo a quem achasse que poderia entregar. Entretanto, isso sustenta o modelo de corrupção de terras, o Estado tem a administração local (municipal) que distribui para o pessoal, mas quem são essas pessoas? Isso não tem um critério claro de quem tem possibilidade de fazer o uso da terra. Não chegou a ser uma reforma agrária, mas ainda assim o Estado tem o controle da terra.


Mamigonian: Sim, mas eu digo agricultura parece que é pouca, não?


Calueio: Muito pouca.


Mamigonian: E não dá para aumentar essa produção agrícola? Porque parece que Angola está importando alimentos!


Calueio: Angola importa, está importando sim alimentos.


Mamigonian: E não dá para produzir?


Calueio: Dá para produzir, temos um clima subtropical, então na região central  de Angola tem muita produção agrícola, entretanto não há incentivo, não há investimento, não temos cooperativas. Pelo contrário, eu acho que, conforme eu disse, a administração local entrega a terra a quem defende os seus interesses e principalmente às empresas estrangeiras. Existe um processo lá, que eu falei um pouquinho na minha dissertação, de urbanização das lavras, aqui tem lavras, né?Lavoura! Campos de pequenos agricultores que foram juntando-se, juntas é como  se fosse uma cooperativa. E eles foram perdendo esses espaços, porque ficavam próximos das zonas urbanas e essas regiões urbanas estão sendo entregues para instituições, conglomerados internacionais para produção de outras coisas. Existe um processo de urbanização dessas lavras, ou seja, uma espoliação mesmo.


Mamigonian: Quer dizer que a agricultura vai mal?


Calueio: Vai mal, muito mal.


Mamigonian: Na época do teu avô talvez tivesse até melhor.


Calueio: Muito melhor, Angola foi o principal exportador de banana do mundo.


Mamigonian: E exporta banana?


Calueio: Foi o principal na época do meu avô, do meu pai ainda. Foi um dos principais exportadores de café também, até os anos 1950, 1960, quando ainda exportava café.


Mamigonian: Café e banana?


Calueio: Café e banana, e era um grande produtor de milho, a base alimentar da Angola é o milho. Então privatizando, privatizando não que aquilo não é privatizar, mas dando essas terras de produção de milho para conglomerados internacionais o que leva a produção de pobreza.


Mamigonian: Quer dizer que produzia bastante milho?


Calueio: Produzia bastante milho.


Mamigonian: Para alimentação, não para exportação.


Calueio: Chegou a exportar para regiões mais próximas, Zâmbia e Namíbia. Agora a banana e o café iam até a Europa. Era exportação no mundo inteiro, o milho apenas para regiões mais próximas.


Mamigonian: Café e banana na época dos portugueses?


Calueio: Na época dos portugueses, até 1960.


Mamigonian: Quer dizer que deu para trás essa coisa da agricultura?


Calueio: Deu para trás. Tem uma entrevista recente do antigo primeiro-ministro angolano (Lopo Nascimento), de dois meses atrás. Ele fala: “a independência chega e existia um grande déficit administrativo em Angola, nos principais cargos”. Ele dá testemunho de quando chegou no Ministério de Comércio e encontrou duas pessoas apenas. E um monte de documento referente à exportação. Não havia ninguém para poder fazer o serviço. Existiam ainda máquinas datilográficas e ele perguntava o porquê das máquinas estavam sem operadores. A resposta foi que “não tinha ninguém porque os portugueses foram embora e as pessoas que entendiam alguma coisa também. Portugal teve o privilégio de levá-los” depois da Independência. Então ele olha para para o contínuo que estava na porta e pergunta “e você, o que que você faz?” “Eu sou contínuo, mas de 20 anos trabalhando aqui eu consigo bater essa máquina de datilografia”. “Aprendeu?” “Aprendi”. “Fica aí você agora, fica como chefe da repartição”. Então ele sai de contínuo para o Chefe de Repartição do Comércio. É para ver o déficit administrativo que houve depois da Independência e o caminho que se tomou é o mais fácil. Pegar a Total, a BP inglesa, a Total francesa, a Shell e a Chevron e entregar os poços de petróleo para ganhar royalties sobre isso.


Mamigonian: Quer dizer que essas empresas estrangeiras ficaram?


Calueio: Continuam até hoje lá, são elas que exploram petróleo.


Mamigonian: Já exploravam na época dos portugueses?


Calueio: Já exploravam na época dos portugueses, desde 1964, quando da reforma.


Mamigonian: Quais as empresas? Chevron?


Calueio: Chevron, a Total, a BP, a Shell, as sete principais estão lá.


Calueio: Agora a China vem também, a China tem dois blocos exportando. Essas empresas estão nesse enclave aqui de Cabinda, a China está aqui no Namibe, exportando. Aqui no sul, na Costa Sul (pretendendo exportar na costa Sul).


Mamigonian: Mas a chinesada também tem dois blocos de petróleo no sul.?


Calueio: A China agora é a principal importadora de petróleo angolano.


Mamigonian: Onde, em que lugar?


Calueio: No Namibe, Costa Sul está tudo pronto para iniciar a exploração.


Mamigonian: Aqui? Produzindo petróleo aqui?


Calueio: Produzindo petróleo. Tem dois blocos de petróleo no sul. Essa aqui é a principal produtora de petróleo em Angola, Cabinda.


Mamigonian: A mais antiga?


Calueio: A mais antiga. Onde todas as estrangeiras, as norte-americanas e as europeias estão. A produção é offshore.


Mamigonian: E como é que a filha do Presidente ficou tão rica, bilionária, considerada a mais rica da África, como é que foi?


Calueio: Então, ela chegou a ser a Presidente da única companhia de petróleo angolana, a estatal SONANGOL.


Mamigonian: Uma companhia angolana?


Calueio: Angolana, que faz as licitações, que compra o petróleo refinado do estrangeiro para abastecimento interno, a SONANGOL Além disso a empresa dá habilitações inclusive para qualquer empresa prestadora de serviço dessas exportadoras.


Mamigonian: Ela então, a empresa dela, comprava petróleo refinado?


Calueio: Não, ela era diretora de uma empresa pública, entretanto ela cria várias empresas e habilita essas empresas para prestar serviço nessa empresa pública. Para comprar petróleo no estrangeiro e vender para o estado angolano, ou seja, ela negociava com ela mesma.


Calueio: Ela negociava com ela mesma e aí enriqueceu. Ela comprou companhias de telecomunicações em Portugal, inclusive chegou a comprar a NOS, a principal operadora telefônica e de televisão portuguesa foi dela. Comprou também bancos em Portugal.


Mamigonian: Bancos em Portugal? Bancos de lá, não em Angola.


Calueio: Isso, Banco Espirito Santo, português.


Mamigonian: Esses bancos portugueses são dela.


Calueio: São dela, ela comprou. A NOS também, a empresa de telefonia portuguesa, ela comprou, e várias outras companhias, aí ela enriqueceu. Ela fazia negócios com ela mesma.


Mamigonian: E esse agora Presidente que entrou está mudando isso aí?


Calueio: Nem tanto. Hoje a família do antigo Presidente está exilada, essa Isabel, a mais rica de Angola, ela está exilada em Dubai.


Mamigonian: Dubai é um lugar bom, hein?


Calueio: Então, ela é russa também. Ela tem nacionalidade russa e portuguesa, mas ela não pode circular livremente na Europa porque em dezembro quase foi presa pela Interpol na Holanda a pedido do governo angolano. Ela não pode circular livremente porque existe um pedido de captura na Interpol, do governo angolano, por corrupção.


Mamigonian: Por que que não pode circular, desculpe?


Calueio: Porque existe um pedido na Interpol de prisão.


Mamigonian: Quem está pedindo?


Calueio: O Governo de Angola.


Mamigonian: Angola está pedindo? O Presidente atual está pedindo? O cara é valente. E o filho do Presidente?


Calueio: O único filho que não conseguiu sair de Angola está preso até agora, está preso em Angola.


Mamigonian: Também estava metido em negócios.


Calueio: O que conseguiram provar foram 50 milhões de dólares que ele fez transferência um dia antes do outro Presidente tomar posse, para uma conta privada. Nessa operação ele não conseguiu se livrar. Os 50 milhões de dólares conseguiram pegar e ele está há cinco anos preso. Mas todos os outros conseguiram, as empresas confiscaram, as empresas angolanas, que estão em Angola, confiscaram, o Estado tomou.


Mamigonian: Quais empresas foram confiscadas?


Calueio: De telecomunicações, a Unitel, maior empresa de fornecimento de telefonia em Angola.


Mamigonian: Que era dela?


Calueio: Que era dela, foi confiscada.


Mamigonian: Agora é do Estado?


Calueio: Isso, as empresas de produção de diamante também. Muitas delas estão confiscadas.


Mamigonian: A principal produção de diamantes era por conta dela?


Calueio: Não, a principal não, ela não chegou a ser principal. Ela estava mais em empresas prestadoras de serviço menores. A principal operação dela era a produção de petróleo. Ela tinha várias empresas prestando serviços para as petroleiras. E também de alimentação, ela que comprava. A alimentação de Angola praticamente ficava na mão dela, ela comprava e vendia para o Estado. Os grandes supermercados angolanos eram um monopólio, nem chega a ser um monopólio, chegou a ser uma ditadura. Chegou a ser uma ditadura, repressão de direito mesmo. Esse novo presidente chega e desencadeia tudo isso em 2017.


Mamigonian: E não corre o risco de cair?


Calueio: Ele também já está em desgraça com a população, porque ele cria um outro grupo. Ele desfez isso tudo e centraliza a riqueza e as empresas em outras pessoas, um outro círculo. Então, ele não conseguiu fazer o que ele prometeu.


Mamigonian: Ele era também do Partido Comunista?


Calueio: Do Partido Comunista, foi o Secretário do Partido Comunista em torno de 1992. Primeiro Secretário  depois em 1993 à 1998 presidente do grupo parlamentar, de 2003 à 2014 vice-presidente da Assembleia Nacional e de 2014 à 2017 Ministro da Defesa. Desde 2017 presidente da Républica de Angola.


Calueio: Quando pegou isso, ele desfaz tudo. Em 2017 desfaz tudo que se fez. Lá atrás existia uma esperança, inclusive houve melhorias de condições materiais de vida mesmo para a população. Inclusive se desencadeou o fornecimento de dólares, já que Angola não tinha obtenção de dólares desde 2014 por causa de suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento do Hezbollah. Então o Banco de Reservas norte-americano não fornecia dólares para Angola. Quem fornecia era a China e a Rússia nesse momento de 2014 até 2020, até 2021 (limitações de reservas)..


Calueio: Então quando viram que existia uma pretensão de reforma, os Estados Unidos voltaram a fornecer dólares pra Angola. Mas agora já existe uma contestação muito grande, porque se formou um outro monopólio pelo controle desse atual presidente.


Mamigonian: Mas a chinesada tá entrando firme nessa coisa também de financiamento?


Calueio: Muito firme!


Mamigonian: A China não está financiando bastante coisa lá dentro?


Calueio: Está financiando muitas coisas, mas uma coisa muito diferente da China é que não existem pronunciamentos públicos e políticos de embaixadores ou mesmo de altos membros do Partido Comunista Chinês sobre Angola.


Mamigonian: Não falam.


Calueio: Não, não falam.


Calueio: Chegam, fazem a linha férrea. Por exemplo, dão uma concessão em que uma parte burocrática fica para os chineses e a outra parte fica para angolanos, eles controlam a infraestrutura  ou uma empresa que faz consultoria, que faz auditoria periodicamente, uma empresa chinesa que faz consultoria sobre o Caminho de Ferro de Benguela. Era muito diferente quando essa concessão pertencia aos portugueses ou belgas, porque eles tinham o controle o controle total. Os portugueses, inclusive fazendo pronunciamentos públicos sobre a vida interna e a política de Angola. Então isso é uma diferença que é muito grande, enorme, a China não faz pronunciamentos públicos.


Mamigonian: Eu estou vendo que tu és meio chinês, não?


Calueio: Sim, o outro lado a gente já viu. O outro lado a gente viu e não deu em nada, então a gente não teria problema em tentar outros caminhos. Além também da celeridade em si, a celeridade em que a China faz as coisas.


Calueio: Em Angola a não participação na vida pública interna possibilita uma estabilidade política mais tranquila com a China do que com a União Europeia, então talvez essa seja a saída. Ou também porque a gente vai pegar crédito nos Estados Unidos, se eles são credores da China. Tem essa pergunta, porque a gente pega crédito nos Estados Unidos se os Estados Unidos é o principal credor da China? Não seria mais fácil ir direto para a fonte? Inclusive os juros são menores, os juros que eu estou avaliando, os juros dados pelo FMI, inclusive, e os juros pelo banco chinês, o banco para exportação chinês, que é a junção de quatro bancos, da Agricultura, Infraestrutura, Finanças, acho que Habitação a última, os juros são menores e quando a coisa aperta, inclusive o ano passado, a China perdoou 30% da dívida pública de Angola, e não é pouca coisa então.


Mamigonian: Perdoou a dívida?


Calueio: Perdoou a dívida.


Mamigonian: Era uma dívida com um banco chinês?


Calueio: Com um banco chinês.


Mamigonian: E essa dívida foi feita por quê?


Calueio: Para a construção dessas infraestruturas, conjuntos habitacionais e principalmente linhas férreas e portos. Esse porto aqui aonde a China está produzindo petróleo. Está sendo feito um dos maiores portos de África, em Namibe, e é tudo pelo financiamento chinês.


Mamigonian: Esse porto é de grande tamanho?


Calueio: É de grande tamanho.


Mamigonian: Para barcos de grande calado.


Calueio: De grande calado e para além de tudo é uma fronteira com a Namíbia e com a África do Sul. É uma fronteira com Porto Elizabeth, inclusive.


Mamigonian: E daí também sai petróleo chinês?


Calueio: Daí está sendo produzido petróleo. Aqui em Namibe, Lobito.. O porto é nessa região aqui  e a Namíbia é bem aqui. Então é muito mais fácil você descer para essa região da Cidade do Cabo, para chegar na África do Sul, saindo pelo Porto de Lobito do que, por exemplo, pelo Porto de Luanda. Então a China está produzindo, fazendo financiamento para esse tipo de infraestrutura.


Mamigonian: Agora, os investimentos chineses são maiores provavelmente no Congo? Do que em Angola.


Calueio: Eu não sei, no Congo não estou sabendo, mas eu sei que nessa região oriental da África o investimento é muito forte.


Calueio: No Quênia, Djibuti e Sudão o investimento é muito forte, porque nessas localidades há acesso ao Mar Vermelho e, também, essa região, dá acesso à própria China e Índia através do Índico. Então aqui tem inclusive a base militar chinesa na parte oriental da África, em Djibuti.


Mamigonian: E vocês estão vinculados aos BRICS, ao Banco dos BRICS?


Calueio: Não, nós não estamos vinculados ao BRICS. Existe uma disputa interna entre Angola e África do Sul, uma disputa regional entre Angola e África do Sul, onde não há adesão de Angola, não seria favorável à África do Sul. Angola tem a principal segurança da região Centro-Sul, da região austral da África. Tem o principal poderio militar. É constitucional, em Angola não pode ter base militar estrangeira. Toda a fronteira, aérea; terrestre; marítima angolana é controlada pelo exército angolano.


Mamigonian: Por falar nisso, a companhia aérea angolana é estatal?


Calueio: Estatal, a TAAG é estatal.


Mamigonian: Mas ela voa para a África do Sul também?


Calueio: Voa para a África do Sul.


Mamigonian: Voa aqui para São Paulo.


Calueio: Voa para São Paulo. São cinco voos, só para ver o número de gente.


Mamigonian: Cinco voos semanais?


Calueio: Cinco voos semanais.


Mamigonian: Tu fizeste esse voo.


Calueio: Eu fiz, e daí são 10 voos semanais, 10 contando a ida e vinda, são 10.


Mamigonian: Poxa, o movimento, e quanto tempo tem essa companhia aérea aqui no Brasil?


Calueio: Olha, não sei quanto tempo, mas a TAAG  é antiga. Desde Independência já começou a voar aqui. Eu não sei dizer agora, mas se não estou enganado foi até antes da Independência, ainda com o controle português. Porque é muito antiga a TAAG. Eu sei isso porque existiam três indústrias bases em Angola, a Diamang que controlava o minério, a Cotonang que controlava o algodão, quando eu falei sobre banana e café eu esqueci de citar o algodão, também exportava para mundo inteiro. E a TAAG também era uma das principais empresas angolanas que prestavam serviços pro exterior.


Mamigonian: Empresas angolanas?


Calueio: Empresas angolanas estatais.


Mamigonian: Essa aí era angolana.


Calueio: Era angolana, a TAAG é angolana até hoje.


Mamigonian: Mas era portuguesa?


Calueio: Não, a TAAG é angolana.


Mamigonian: Não, antigamente.


Calueio: Quando Portugal sai em 1975 a TAAG, com trabalhadores angolanos e tudo, continua funcionando. Então, como a Diamang continua funcionando, hoje Endiama, a exploração de diamante, , só que Angola nunca investiu em uma empresa própria de produção, de prospecção de petróleo. Nunca houve prospecção de petróleo, Angola nunca teve uma uma empresa nacional de exploração de petróleo.


Mamigonian: Já era tudo estrangeiro.


Calueio: Já era tudo estrangeiro. Até porque o petróleo, de 1960 até 1974, um ano antes da Independência, detinha 20% a 22% da economia angolana, então não era considerado estratégico.


Mamigonian: Depois é que aumentou?


Calueio: Depois que os portugueses saem e toda a mão de obra técnica portuguesa de produção de café, pesca, a produção de algodão e agricultura saem junto, os engenheiros agrônomos e tudo também vão embora. Inclusive houve um boicote de venda de produtos das ex-colônias para a própria Europa, isso fez com que Angola tivesse outro campo de exploração e nesse momento o que era facultativo, que era muito mais fácil ter a renda, era pegar os poços de petróleo e entregar pra essas empresas.


Mamigonian: A pesca também era levada por conta de Portugal?


Calueio: A pesca também era levada por conta dos portugueses.


Mamigonian: Algodão, café, banana, a “portuguesada” estava metida.


Calueio: Estava mesmo metida. Então, falando sobre a África do Sul. África do Sul tem o controle financeiro de toda a região austral da África enquanto a Angola tem o controle militar. Inclusive Angola, hoje, lidera os encontros de paz e de segurança no Congo, existe um conflito entre Ruanda e o próprio Congo, a República Centro Africana, Uganda, Angola media essas resoluções, inclusive, quando necessário, enviando militares, armamentos e militares. E para a África do Sul isso até chegar a ser um incômodo. Se Angola entra para os BRICS, isso dá aberturas a outros tipos de financiamento, não só através da Angola e China ou Angola e Rússia, mas também através do próprio Banco dos BRICS.


Calueio: Hoje existe uma resistência dentro da África do Sul que nega a aderência de Angola aos BRICS. Se discute, inclusive isso é público, que o Presidente Lula falou isso várias algumas vezes, para a entrada do Egito aqui na África e a entrada da Nigéria. A possível entrada da Nigéria nos BRICS, mas não se discute Angola. O Irã e a Arábia Saudita também estão discutindo, mas não Angola.


Mamigonian: Mas voltando um instantinho, para tentar entender, quer dizer que o setor militar de Angola é bem organizado?


Calueio: É muito bem organizado.


Mamigonian: Já participou de atividades militares fora.


Calueio: Constantemente participa de atividades.


Mamigonian: Inclusive no Congo?


Calueio: Agora na região norte de Moçambique. Outubro e novembro do ano passado, quando grupos armados estavam tentando tomar o norte do Moçambique, Angola tinha militares lutando na região norte de Moçambique.


Mamigonian: Ajudando o exército de Moçambique?


Calueio: Isso, ajudando o exército.


Mamigonian: Quer dizer que adquiriu uma experiência na parte militar e essa experiência foi adquirida durante a guerra, provavelmente, e mais quem? Rússia?


Calueio: Rússia e Cuba. A principal experiência cubana fora do território cubano é em Angola,  a chamada Operação Carlota. Na Operação Carlota o exército sul-africano avançava, varreu toda Namíbia, avançou por toda Namíbia, estava entrando para Angola pelo sul, Cuando. O professor Visentinni chama de “a luta contra o comunismo negro”. Eles estavam reprimindo qualquer grupo comunista nessa região austral da África, entretanto o exército sul-africano, financiado pelos Estados Unidos e militarmente por Israel, Israel estava lá com tropas israelitas, avançavam para o sul. Não tomaram Luanda por conta de Cuba. Na Operação Carlota, Fidel Castro disponibiliza cubanos e Angola tem um ditado até hoje: “onde dispara um cubano, dispara dez norte-americanos”.


Mamigonian: Quer dizer que a experiência militar de Angola veio de Cuba?


Calueio: Veio de Cuba, principalmente Cuba e Rússia, mas lá na terra mesmo. A Rússia financiava mais o espaço aéreo, agora a terra e o mar estava na mão dos cubanos. Os cubanos é que reprimiram esse exército, não só em Angola, desceram até Namíbia, até nas fronteiras da própria África do Sul. Então chamam hoje da Guerra de Cuito Cuanavale.


Mamigonian: Naquela época tu dissesses que a parte aérea era russa?


Calueio: Era russa, era controlada pela Rússia.


Mamigonian: A parte militar tu dizes.


Calueio: A parte militar aérea era controlada pela Rússia.


Mamigonian: E depois quando chegou a parte de voo aéreo, a companhia aérea, que é angolana, isso teve algum papel da Rússia?


Calueio: Não, hoje os voos que dinamizam a linha, a transportadora angolana, são norte-americanas, é a Boeing.


Mamigonian: Da Airbus não?!


Calueio: Não, desde que eu conheço sempre foi Boeing.


Mamigonian: Não tem nada da companhia brasileira? Da Embraer?


Calueio: Não, eu não conheço nenhuma.


Mamigonian: Na Embraer são aviões de menor tamanho. Não daria para atravessar o Atlântico.


Calueio: Inclusive a Latam e a Gol quando você compra uma passagem para Angola a partir da Latam, há um convênio com TAAG. Você compra Latam mas você viaja pela TAAG, então não tem voo da Embraer para Angola.


Mamigonian: Eu estou vendo que o pessoal tem uma porção de perguntas para fazer e eu tô monopolizando esse papo.


Mamigonian: Angola está melhorando?


Calueio: Hoje um pouco. Há três meses atrás, uns seis meses atrás, os dados não eram bons, desvalorizou a moeda 21%, a moeda desvalorizou em face ao dólar 21%. E também o petróleo sofreu queda e isso prejudica na arrecadação angolana, porque 85% do PIB é o petróleo. Hoje mesmo não conseguiu pagar o salário de maio da função pública. Então no próximo dia 17 haverá uma manifestação em nível nacional para contestar esse atraso de salários de maio.


Calueio: Ou seja, esse monopólio do atual Presidente, ele estava indo muito bem. O monopólio dos bancos, inclusive setor financeiro que agora está com um banco só, um grupo que está controlando todo setor financeiro, e agricultura que a pretensão era a criação de cooperativas, já que muita percentagem, não sei agora qual a percentagem certa, mas é muita gente que vive no rural ainda e depende da agricultura. E a intenção era formar cooperativa, de caminhoneiros e cooperativa desses pequenos agricultores para tirar a coisa do rural para o urbano. Entretanto fez-se outro projeto, criou-se uma empresa de pessoas, já bem estruturado, que controla também as finanças e a agricultura angolana. Só que eles não estão comprando desses pequenos agricultores, eles estão tomando terras e produzindo mecanicamente. Essa pessoa que depende dessa produção, que dependia dessa produção, está desempregada hoje, e é um número enorme de pessoas.


Mamigonian: Mas existe na agricultura uma produção mecanizada?


Calueio: Hoje está se mecanizando através desse grupo.


Mamigonian: Qual grupo?


Calueio: Carrinho, é um grupo de angolanos, é uma nova burguesia que está se criando.


Mamigonian: Um grupo angolano?


Calueio: Ligado ao governo, ligado ao novo governo, é um novo grupo.


Mamigonian: É um grupo angolano esse aí e está mexendo em que tipo de agricultura?


Calueio: Hoje eles estão produzindo milho, estão voltando a produzir milho.


Mamigonian: Milho que é o que se consumia antes bastante? Eles sabem disso.


Calueio: Eles sabem.


Mamigonian: E a produção deles aumentou? Está aumentando? De milho?


Calueio: É um projeto recente. Eu não estou acompanhando. Como inclusive eles estão recrutando angolanos que estudam no estrangeiro, agrônomos, engenheiros de materiais e economistas para trabalhar nesse grupo.


Mamigonian: E desculpe, voltando um pouquinho, sistema bancário é governo, monopólio do governo?


Calueio: É privatizado, mas também está sendo entregue a esse grupo.


Voz Externa: Pelo que eu estou entendendo existe um modelo que a cada governo toma os modos de produção.


Calueio: Isso, forma um grupo que domina.


Voz Externa: Com exceção do petróleo que é royalties.


Calueio: Isso. Até porque militarmente é muito forte, então a possibilidade de contestação popular é muito restrita. Em qualquer lugar onde você estiver tem um militar, tem inteligência civil trabalhando. Nas universidades têm, nas salas têm, então qualquer tentativa de mobilização popular, as pessoas são raptadas, desaparecem e são mortas.


Mamigonian: Mas eu estou entendendo o seguinte, quer dizer, o setor bancário, que não é do Estado, que não é estatal seria o que o setor bancário? É estrangeiro? Tem alguma coisa estrangeira? Alguma coisa privada?


Calueio: Majoritariamente são angolanos também.


Mamigonian: Mas privado?


Calueio: Privado, sim. Bancos privados.


Mamigonian: Esses caras então são gente que tem dinheiro.


Calueio: Sim, tem muito dinheiro, esses caras tem muito dinheiro.


Mamigonian: Vamos dizer, um banco desses aí, um banco privado grande, tem quantas agências mais ou menos em Angola um desses grandes?


Calueio: Umas cinco mil agências, é muito grande, cinco mil agências. O banco BFA, que é um banco privado, o maior banco privado de lá, cinco mil ou mais do que isso inclusive. Por baixo são cinco mil agências.


Mamigonian: Esse é de angolanos?


Calueio: Esse é de angolanos, inclusive está sendo comercializado agora, porque as partes que pertenciam à Isabel dos Santos, a primeira filha do antigo Presidente, está sendo comercializado para esse grupo também, a Carrinho, que está controlando todas as coisas.


Mamigonian: Agora o banco estatal, quantas agências têm mais ou menos?


Calueio: Banco estatal lá tem serviço muito limitado. Não sei dizer a quantidade, hoje tem três bancos estatais. O Central, que é estatal e o Banco Nacional como chamamos.


Mamigonian: Cinco bancos estatais?


Calueio: Não, três estatais, o Banco Nacional que não faz movimentos comerciais. Depois tem o BPC, o Banco Popular de Crédito, que é o maior banco público angolano.


Mamigonian: Quantas agências mais ou menos?


Calueio: Eu não sei dizer, mas eu iria pelo mesmo número de agências do BFA, cinco mil por aí. E depois tem a Caixa, né? A Caixa Econômica de Angola, também grande, agora de serviços mesmo são bancos privados. Os bancos públicos  prestam poucos serviços como o de crédito, por exemplo. Não, até para habitação são bancos privados que fazem esse tipo de serviço, os bancos públicos  prestam serviços de crédito limitados e bastante burocráticos.


Mamigonian: O que os bancos estatais então fazem então?


Calueio: Os bancos estatais é para pagamento.


Mamigonian: Dos funcionários?


Calueio: Os funcionários públicos e não só. E venda de divisas para os bancos privados, principalmente.


Mamigonian: Esse aí que tem cinco mil agências, o que que ele faz, o estatal?


Calueio: É isso que eles fazem praticamente, e também projeto de crédito quando é para grandes empresas. Eles conseguem financiar. E um  dos principais trabalhos dele, por exemplo, o envio de divisas para o estrangeiro, por mais pequeno que seja, ela não passa necessariamente no Banco Nacional angolano, como aqui. Aqui qualquer autorização para o estrangeiro, ele passa pelo BACEN. Lá não, lá o BPC, esse público de grande estrutura consegue fazer sem passar pelo Banco Nacional. Consegue fazer troca e recebimento sem passar pelo banco.


Mamigonian: Outra hora aí atrás tu falaste no Hezbollah. O que que o Hezbollah tem a ver com Angola?


Calueio: Ah sim, o antigo Presidente angolano e a cúpula, principalmente o antigo Presidente da Assembleia Nacional, eles eram os principais fornecedores de alimentos, supermercados e alimentação, já que Angola não produz para consumo interno. E eles compravam essa produção de arroz, principalmente, e outros cereais, nas produções do Hezbollah na região da Turquia, Afeganistão e Líbano. Então a divisa que se vendia, aquilo que o banco americano vendia para Angola, através de séries e tudo, parava na mão de Hezbollah e da Al-Qaeda principalmente, nessa região do Afeganistão, Paquistão e tudo. Então foi considerado como financiamento ao terrorismo, já que eles compravam a preços baixos cereais produzidos por esses grupos


Mamigonian: E os americanos logo descobriram?


Calueio: Descobriram e cortaram os dólares. Porque eles compravam a preço de banana lá no Paquistão e vendiam como se tivessem comprado em instituições abertas. Os americanos descobriram isso e…


Mamigonian: E antigamente, durante o período português, produzia-se arroz?


Calueio: Não, arroz não chegou-se a produzir.


Mamigonian: Era faixa de milho mesmo.


Calueio: Era faixa de milho, porque o arroz não é uma comida, assim, não é cotidiano em Angola. Tem muita coisa que se faz com milho, então o pessoal prefere milho e não se produzia arroz em grandes quantidades. Eu sei que tinha produção em Malanje e na região central de Angola, mas não eram grandes quantidades.


Mamigonian: E de carnes? Antes era peixe?


Calueio: Tinha muito peixe, tem muito peixe até agora e também tem produção de carne na região sul, carne bovina mesmo.


Mamigonian: Carne bovina local, de bovinos criados lá?


Calueio: Criados lá.


Mamigonian: Porcos não?!


Calueio: Porcos eu não conheço, não sei, porcos, caprino, eu não sei, mas sei que tem grande produção de bovino, na região sul de Angola e principalmente peixe na região costeira. Na região costeira tem muito, inclusive hoje tem embarcações chinesas industriais para pesca.


Mamigonian: E de firmas angolanas?


Calueio: De firmas angolanas tem também e é muito forte.


Mamigonian: Produzem barcos?


Calueio: Tem embarcações chinesas e angolanas.


Mamigonian: Comprados na China os barcos?


Calueio: Isso, comprados na China.


Mamigonian: Mudando de assunto, seu estudo sobre Angola foi publicado?


Calueio: Publicado aqui, como é que se fala?


Voz Externa: Foi defendido, está na biblioteca. Está público na biblioteca.


Mamigonian: Mas não está na forma de livro?


Calueio: Não, não está na forma de livro, mas eu discuti sobre a formação do Estado angolano, capital, território e o próprio Estado. Essas discussões que a gente está tendo aqui, professor, sobre o que seria o Estado para a África, para Angola, nesse contexto de se reestruturar. Do outro lado sai de uma colonização num processo totalmente devastador, do outro lado tem uma reconfiguração do próprio sistema financeiro mundial, flexibilização das finanças e mobilidades. Uma outra estrutura produtiva se formando de 1970 para frente. Angola tem que dar conta disso. Então não é um Estado como os Estados que se formam nesse contexto, não tem como analisar sob a perspectiva teórica do Estado conforme a gente entende.


Mamigonian: Tu pega o Estado antes? Estado entre aspas, antes da Independência, o Estado digamos colonial e depois tu pega o Estado independente?


Calueio: O Estado independente. Então foi isso que eu fiz.


Mamigonian: E aí entra a dualidade do Rangel. Já leu Rangel?


Calueio: Já, mas eu conheci tarde, eu conheci agora, eu tô conhecendo com o Léo (Leonardo Mosimann Estrella).


Mamigonian: Aproveita, conversa bastante, Rangel é fundamental não achas?


Calueio: Eu usei o Furtado. Na graduação e no mestrado. Eu usei o Furtado. Mas agora estou lendo Rangel.


Mamigonian: Celso Furtado errou. Disse, quando o golpe militar de 1964 ganhou, que o Brasil com o golpe militar viraria uma grande fazenda. Está publicado em uma famosa revista francesa, que tem uma edição especial do Sartre, Tempos Modernos. Com a “milicaiada” virou uma indústria gigantesca com, por exemplo, a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, todas elas são dessa época. Como grandes construtoras, engenharia pesada e o setor que fabricou locomotivas, com a Villares. Esses eram da mecânica pesada, com a “milicaiada”, e o Celso Furtado disse que o Brasil ia virar uma grande fazenda.


Mamigonian: Todo mundo fala nele, mas temos que diferenciar. Eu tenho que botar isso claramente nesse texto que eu estou preparando sobre o Rangel, justamente para diferenciar que pensava o Brasil. Quer dizer, o Rangel pensava no Brasil como um país gigantesco, com grandes possibilidades e que poderia se tornar uma grande potência. Há uma tradição no Brasil, Filipe, uma tradição de valorizar a relação Brasil, Portugal e as suas colônias.


Mamigonian: O Gilberto Freyre, ouviste falar de Gilberto Freyre? O Gilberto Freyre falava no mundo luso-brasileiro. O mundo luso-brasileiro, este mundo luso-brasileiro incluiria a Angola.


Calueio: Sim, lusotropicalismo para a África.


Mamigonian: Exatamente,  lusotropicalismo, luso-brasileiro, Gilberto Freyre enxergava, vamos dizer, essa coisa no Brasil e também se tornou moda, como nós sabemos, uma expressão boa, o Brasil é um grande Portugal não? A influência portuguesa no Brasil sempre foi muito positiva. Quando os negros que trabalhavam no açúcar, no Nordeste, e os brancos, receberam os judeus expulsos pela Inquisição Europeia, os judeus se entrosaram bem com os brancos, com os negros, todos eles se entendiam bem. Quem fala isso é a mãe de um jesuíta, do Antônio Vieira. Antônio Vieira eu acho que é este o nome dele. A avó desse Antônio Vieira, um português que foi jesuíta, era afrodescendente. Em Portugal muitos migrantes negros que foram parar em Lisboa se misturaram com os portugueses. Como provavelmente aconteceu em Angola a mesma coisa, portugueses e africanos se misturando. Então ele dizia isso, esse Antônio Vieira. No Brasil de Pernambuco, negros e brancos, africanos e portugueses se entendem razoavelmente bem e absorveram os judeus que foram expulsos pela inquisição. Judeus que foram expulsos de Portugal foram bem recebidos em Recife. Então esse ambiente, digamos assim, português, sempre foi um ambiente mais tolerante.


Mamigonian: Então quando tem alguém que faz uma exposição sobre racismo aqui no Brasil, o pessoal diz racismo, racismo, mas não vê um lado do racismo que foi o entrosamento razoavelmente bom em que os negros frequentemente ascenderam. Chegaram à hierarquia, por exemplo, da Constituinte Brasileira. Na época da Independência teve uma constituinte e tinham dois caras de descendência africana lá na constituinte. Pessoal não fala que houve uma ascensão social também, só fala que havia racismo, mas não vê que não era o racismo igual ao racismo americano (estadunidense), muito muito diferente do racismo americano. A turma não enxerga. Só vê o lado racista, não vê o lado da ascensão. Não vê o lado da ascensão dos africanos. E a Bahia é o que? A Bahia não é africana? A Bahia no Brasil é africana ou não? Salvador, tu conhece Salvador?


Calueio: Não conheço, não estive ainda.


Mamigonian: Mas como? Vem ao Brasil e não vai até Salvador?


Calueio: Pois é, eu não estive ainda, Minas Gerais eu vi que é muito mais miscigenado. Em lugares que eu fui, eu achei muito mais miscigenada, como Belo Horizonte. Não só a capital de Minas, mas também no interior mesmo, a miscigenação é muito forte. Minas eu vi que tem uma população negra muito grande. Bahia eu não estive ainda, só de ver, de ler.


Mamigonian: Tu estás há quanto tempo aqui?


Calueio: Oito anos.


Mamigonian: Oito? E vai embora daqui quanto tempo?


Calueio: Não sei.


Mamigonian: Tu és capaz de se radicar aqui, não?


Calueio: Pois é vai depender, não sei, não sei dizer, é muito longe ainda para responder agora.


Voz Externa: Teu filhinho nasceu no Brasil?!


Calueio: Nasceu no Brasil.


Mamigonian: Menino?


Calueio: Menino.


Mamigonian: De que idade?


Calueio: Está com sete anos.


Mamigonian: E fala português, fala português sem sotaque?


Calueio: Fala português sem sotaque, fala com sotaque também. Ele está perdido na verdade (risos).


Mamigonian: Já é brasileiro?


Calueio: É, o sotaque é brasileiro, angolano e brasileiro.


Mamigonian: Mistura.


Calueio: É, mistura.


Voz Externa: E você fala algum dialeto da tua região?


Calueio: Falo, a gente fala umbundu.


Voz Externa: E você ensinou a ele?


Calueio: Em casa, porque é natural, ele vai pegando algumas coisas.


Voz Externa: A tua companheira?


Calueio: Também fala umbundu.


Voz Externa: É da mesma região? Benguela?


Calueio: Benguela, aí ele vai pegando uma ou outra palavra, cumprimentar ele consegue.


Voz Externa: Como é que é cumprimentar?


Calueio: termo em umbundu por exemplo o que tá no meu Whats. Aí em vez de Filipe eu coloco termo em umbundu, está tudo bem. Eu coloquei esse termo em umbundu. Tá tudo bem? Tá tudo bem. Então ele consegue aprender alguma coisa. Às vezes se perde também, está falando português e fala uma coisa em umbundu, aí tem que justificar.


Voz Externa: E as universidades em Angola são públicas ou privadas?


Calueio: As universidades são públicas, a maioria, tem privadas mas, assim, as fortes em Angola são públicas.


Voz Externa: Nacionais?


Calueio: Nacionais. Em Angola é ao contrário, aqui no Brasil a universidade pública tem maior prestígio que as privadas já o ensino médio ou de base é o contrário. Em Angola é o contrário, o ensino de base, até o ensino médio, o público é muito forte. As faculdades, têm que se ir nas privadas, aí tem que procurar a Católica que é portuguesa.


Voz Externa: A PUC?


Calueio: É, como a PUC. A Católica, tem que ir na Piaget, que é alemã, são essas, porque as públicas são muito deficitárias. Então lá é o inverso, lá é difícil a criança fazer todo o ensino de base, até ensino médio, na pública é muito difícil, porque é muito concorrido. E na faculdade o pessoal sai da pública e vai para a privada.


Voz Externa: E a pública é gratuita?


Calueio: A pública era até 2017, de lá para cá tem uma cota que pagas 2 mil kwanzas.


Voz Externa: Isso o novo governo está cobrando?


Calueio: Isso, seriam 20 reais, pouca coisa.


Voz Externa: Qual é a moeda em Angola?


Calueio: Kwanza.


Voz Externa: Como é que se escreve?


Calueio: É o k.


Voz Externa: K de kremlin?


Calueio: Isso, de kremlin. k, w, a, n, z, a, kwanza, é o nome do principal rio de Angola. Quando o atual Presidente entrou, ele tirou até o rosto do Presidente antigo na moeda, porque a moeda tinha o rosto e o nome do presidente antigo e do fundador da nação, o Agostinho Neto. Ele chegou e tirou, e aí colocou pontos turísticos assim de Angola.


Voz Externa: A minha filha do meio estudou, ela tem uma grande amiga que voltou para Angola, ela foi até madrinha de casamento dela e o sobrenome era Batista. O primeiro nome da amiga era Nísia, Nísia Batista, mas a mãe dela fazia parte do Ministério de Angola, só não me lembro o primeiro nome da mãe dela, mas o sobrenome era Batista. Com esse novo governo deve ter estar presa, eu não tive mais notícia.


Voz Externa: O pai dela estava em Portugal, talvez ela tenha ido para Portugal.


Calueio: Isso, o pessoal todo que estava lá tinha que ir embora.


Voz Externa: Então, deve ter vindo embora, vou perguntar depois para minha filha.


Calueio: Quem está lá, tá sendo humilhado, assim, com a retenção de documento. A princípio a luta contra a corrupção era muito bem vista, e de fato existia uma luta, porque estavam a tornar público aquilo que foi.


Voz Externa: Mas quem que investigava? Quem que investigou?


Calueio: É a PGR, a Procuradoria Geral da República. Deram uma certa autonomia e, eu julgo um erro, colocaram um militar para controlar. Mesmo que ele tenha formação em Direto, e seja muito conhecido na praça pública em termos de Direito, mas ele era militar. Então ele sai da PGR militar para a PGR comum.


Calueio: Lá a PGR está dividida, igual está aqui também. Então o combate à corrupção estava vindo muito bem. Só que o atual Presidente também é militar, ele é um General, existe uma subordinação militar que o civil não entende. O PGR era o procurador, o PGR é um Brigadeiro e o Presidente é um militar.


Voz Externa: É menor, né? Menor patente.


Calueio: Isso, depois de um tempo houve uma subordinação. Primeiro confiscava-se os prédios, inclusive e tornava-se público, entregava para pessoas carentes, existia uma luta, dava para ver, existia uma expectativa de esperança. Inclusive a popularidade em si, os nomes que foram colocados para ele, Implacável, Indomável, como aquele filme do Schwarzenegger. Então foram dando nomes assim, de alguém Exterminador do Futuro, alguém que vem organizar.


Voz Externa: Super-herói.


Calueio: Super-herói é, mas já existia uma reserva, assim, do pessoal atento, de um pessoal intelectual, de que essa visão “heroística”, de alguém que está vindo resolver a força e a qualquer custo, vai dar numa ditadura também. Existia muito cuidado, “vamos investir sim, mas tem que ter cuidado, não existe herói nisso, vamos usar a lei…” e depois do primeiro mandato, no segundo, ele está fazendo totalmente o contrário. Primeiro vai-se para as eleições e não se apura, a CNE, que é a Comissão Nacional Eleitoral, perde a dinâmica de tornar público os resultados.


Calueio: Porque os resultados apontavam para a oposição, uma vitória da oposição.


Voz Externa: E é voto universal? Todo mundo vota?


Calueio: Todo mundo vota, o voto lá não é obrigatório, mas 18 anos para frente pode votar. Quem não vota, não precisa justificar nada. E aí o que que acontece, demora mais de 30 dias para poderem fazer o anúncio de resultados, e quando fazem é um anúncio com dados totalmente contrários, e não se aceitou contestar, não existe contestação. Depois de um tempo, aceitaram uma contestação no Tribunal Eleitoral, mas a contestação foi renegada, não apresentaram as provas. Aí, obrigatoriamente, ele tem que usar força para continuar a governar. E como tem uma estratégia muito forte militar, ele consegue controlar os pequenos grupos, as massas, os partidos políticos, inclusive criando outros partidos para confundir a opinião pública.


Voz Externa: No caso esse partido que está atualmente, ele é de direita ou de esquerda?


Calueio: O MPLA a sua fundação é de esquerda, comunista, inclusive foram apoiados lá atrás pela Rússia, na formação mesmo. Esse partido começa com antigos estudantes nos Estados Unidos, com o Harlem Renaissance, o Viriato da Cruz estava envolvido, por exemplo, em contestações populares em Portugal que tinham ligações com a formação dos Panteras Negras, Viriato da Cruz um poeta angolano muito conhecido, o Mário Pinto de Andrade, inclusive tem uma revista francesa na Universidade de Paris, Le Journal de la Nuit, o jornal negro.


Calueio: E o primeiro, a primeira capa de rosto daquele jornal foi do fundador do Partido Comunista Angolano, Mário Pinto  de Andrade como um jovem intelectual. Conheces Léopold Sédar Senghor do Senegal? Kwame Nkrumah do Gana? Esse é o pessoal que lutou para a libertação da África, entretanto quando ganhou a independência ainda continua o Partido Comunista e a tentativa de implementação do regime socialista em Angola, quando cai a União Soviética e se perde o apoio internacional, agora não consegue-se fazer a transição. Com isso, cria-se grupos de familiares e não dá para classificar aquilo como um Partido Socialista hoje, eles se autointitulam como uma Social-Democrata, mas aquilo é uma ditadura, mesmo dentro do partido não existe eleição. Existe eleição mas aquilo é só para o estrangeiro ver, então passou. Aquilo é uma verdadeira ditadura hoje.


Calueio: Eu não entendo professor como é que o Geisel apoiou o MPLA, sendo o MPLA um Partido Comunista.


Mamigonian: Ele não apoiou o partido, ele reconheceu a Independência, antes da União Soviética, porque ele era o melhor discípulo do Getúlio Vargas. Ouviste falar do Getúlio Vargas? Getúlio Vargas foi um presidente extraordinário, pessoal não fala, mas na época da ditadura de 37 a 45 ele teve que enfrentar vários problemas e resolveu todos.


Mamigonian: Quando chegou a época da guerra ele se posicionou contra a Alemanha, ele tinha um Ministro, que era o General Dutra, que era pro-germânico, mas ele optou pelos Estados Unidos por quê? Porque ele sabia que os Estados Unidos poderiam financiar a Companhia Siderúrgica Nacional. Poderiam financiar a extração de petróleo, a extração e exportação de minério de ferro e a Companhia Vale do Rio Doce. Tudo isso saiu com o apoio dos Estados Unidos, então ele “tinha cabeça” o Getúlio. O Geisel foi militar da época do Getúlio e começou como Secretário de Finanças de um dos estados do Nordeste, da Paraíba.


Mamigonian: O estado estava em estado de falência, ele botou em ordem toda a situação financeira. Então ele era um militar que entendia de economia, foi entendendo cada vez mais e se tornou nacionalista. Geisel foi o maior e melhor discípulo do Getúlio Vargas. Quando ele viu que Angola estava proclamando a Independência, ele ficou satisfeito. Ele queria isso mesmo. O Brasil já estava construindo uma hidrelétrica através da Odebrecht e importando o petróleo de Angola, então ele logo percebeu que tinha que reconhecer a Independência. Era a Independência, não era um Partido Comunista.

Calueio: E esse reconhecimento quando foi? Angola e Moçambique tiveram a independência no mesmo ano, em Moçambique o Geisel envia o… esqueci o nome agora, o Chanceler. Ele envia o Chanceler dele e não é aceito, ele envia um Chanceler para reconhecimento da Independência de Moçambique, lá é o contrário, primordialmente, não foi aceita.


Calueio: O Moçambique não aceita esse Chanceler do Geisel através do Joaquim Chissano que é o Chanceler moçambicano. Ele diz que não aceita porque o Brasil apoia em 1964 a continuidade de Portugal na África, transformando as colônias em províncias “ultramarinas”, e, além disso, houve o acordo entre Portugal e Brasil que estabelecia que o país não iria financiar grupos políticos das províncias “ultramarinas” africanas.


Calueio: O Brasil em 1964 aceita esse acordo com Portugal e, 10 anos depois quando preparam a Independência em Moçambique, o Geisel manda em Moçambique e em Angola esse mesmo Chanceler para reconhecimento e constituir a embaixada. Fazer o reconhecimento do Estado e a embaixada. Em Moçambique o Chissano (o então Ministro do Exterior de Moçambique) fala: “não precisa, porque o momento que a gente precisou de vocês, vocês apoiaram a continuidade do colonialismo”.


Mamigonian: Partido Comunista em Moçambique não apitava nada. Logo depois o regime nacionalista comunista de Moçambique caiu, acabou.


Mamigonian: Moçambique deixou de ser independente para ser novamente dependente do Ocidente, do imperialismo, o que que Moçambique virou? Perdeu autonomia, então o Partido Comunista de Moçambique não tinha competência, era incompetente, essa é a diferença. Provavelmente em Angola, já pela experiência de que o Brasil era importador de petróleo e montava uma indústria, uma hidrelétrica lá, já se percebia que o país tinha um papel importante, melhor para  Angola do que os Estados Unidos, do que a França e do que Europa.


Mamigonian: Então frequentemente o Partido Comunista tem muita gente boa e muita gente despreparada. Isso vale para o mundo inteiro. Por exemplo, na União Soviética não teve o Gorbatchov? Quem foi o Gorbatchov? Um despreparado completo. Como é que pode, não. E no entanto, a União Soviética era uma potência, virou o quê? Acabou. Então a briga entre imperialismo e socialismo não é uma brincadeirinha. Por isso que os chineses aprenderam muito com os erros dos soviéticos. Os chineses têm uma tradição de séculos, de milênios.


Mamigonian: O pensamento chinês é antigo, cheio de sofisticação, antes mesmo do marxismo na China já existia um pensamento chinês muito importante, forte, que o Partido Comunista Chinês, não só com Mao Tsé-Tung, com Mao Tsé-Tung também, mas principalmente depois com Deng Xiaoping. Percebeu que tinha que aproveitar todo esse pensamento antigo. Pensamento sofisticado ligado aos filósofos chineses. Na China não se criou religião, se criou filosofia.


Mamigonian: Então a China tem uma base intelectual muito forte. Eles aprenderam que a União Soviética cometeu tais e quais erros, então não queriam repetir. Por exemplo, eles sabem que é melhor ganhar uma guerra, os chineses dizem isso, está escrito na tradição chinesa antiga. Por exemplo sobre guerra é tradição se ter livros na China. Então o que é que eles dizem: é melhor ganhar uma guerra sem precisar travá-la, sem entrar na guerra, é melhor ganhar a guerra sem se expor na guerra.


Mamigonian: Isso aí é da tradição chinesa, vamos ganhar a guerra sem precisar entrar na guerra. Isso não é uma brincadeirinha. Trata-se de uma profundidade de pensamento, de raciocínio profundo. Desculpe, eu esqueci quando tu estavas falando, quem é que controla a produção de diamantes em Angola?


Calueio: Hoje os russos, os russos e os israelitas.


Mamigonian: Russos? E israelitas também? Controlam a produção de diamantes? Antes quem é que controlava?


Calueio: Os russos estão sempre, desde a fundação, desde a Independência, sempre presentes na exploração de diamante. Tem uma maior presença para refinar e vender.


Calueio: A União Europeia tem agências, mas extração mesmo, o grosso é russo. Eu digo isso… a Odebrecht também está lá, mas não na exploração, mas está lá. Os russos têm a tecnologia de exploração e a Odebrecht faz projetos, manutenção, a requalificação das áreas exploradas e mapeamento. Eu tenho um irmão que trabalha numa dessas empresas e quando eu estava lá em Angola, nas minhas férias eu ficava nesse conclave.


Voz Externa: Aonde que é? No mapa aqui?


Calueio: Aqui. Isso tudo aqui é diamante, toda a região (Lunda, Lunda Sul e Lunda Norte,). É a região menos populosa de Angola. Inclusive não são aceitos projetos habitacionais. Não são aceitos projetos habitacionais exatamente para deixar livre para exploração. Eu passava as férias aqui onde há uma expressão bem exata da desigualdade em Angola. Encontra-se as pessoas totalmente sem nada explorando diamante de modo artesanal em conclaves onde têm minas de diamante, como se fossem municípios inteiros, em distâncias muito longas. Estrangeiros e nacionais trabalhando, mas as empresas que exploram são estrangeiras. Então o que que acontece, eles fecham, tem enclaves fechados, a vida é outra vida, com escola e hospital.


Calueio: É outra Angola! Os trabalhadores dessas mineradoras vivem aí dentro. É regime de internato. Aí você fica 45 dias aí 45 dias fora, ou você pode se adaptar em viver com a família nesse espaço. Então é outro tipo, uma outra Angola.


Voz externa: Uma dúvida só em relação a isso antes de ir pra outro tema. Você falou que o seu irmão trabalha, ou trabalhava, nessa região. E para fazer a mudança o cidadão para essa cidade, onde tem toda essa infraestrutura, é qualquer família poderia fazer essa mudança?


Calueio: Não, você faz o processo seletivo. Você passou no processo seletivo não significa que você já pode morar nessa cidade tem outras condicionantes ainda. Para não causar revolução. O que acontece é que dificilmente contratam pessoas dessa região, dessas províncias. Por exemplo, meu irmão, ele é maquinista, mexe com máquinas e tudo, inclusive aprendeu com a Odebrecht mesmo. Aí tem também o fluxo de pessoas que saem de Angola para vir se formar aqui no Brasil. Porque as nossas máquinas, as empresas de construção, onde mais se emprega são brasileiras, então se você vem fazer um curso aqui no Brasil.


Voz externa: Seu irmão veio pro Brasil?


Calueio: Não, ele não chegou a vir. Na minha opinião é mil vezes preferível uma Odebrecht lá do que uma empresa belga, por exemplo. A Odebrecht chega lá, não precisa trazer as pessoas para o Brasil se formar, a Odebrecht faz centros de formação. Então a Odebrecht tira máquinas daqui, leva para lá, forma pessoas lá que conseguem montar e desmontar uma máquina que compraram aqui. Como uma máquina da Whirpool ou qualquer coisa assim, eles formam a pessoa, eles trazem a pessoa da Whirlpool, pagam a Whirlpool, formam as pessoas lá e os técnicos nossos que trabalham aqui. Quando são demitidos, como foi em 2014 e 2015, esses técnicos continuaram a trabalhar em outras empresas. Então isso é muito diferente também. Com empresas belgas, por exemplo, isso não acontece. E os chineses fazem a mesma coisa, constróem centros de treinamentos e escolas técnicas como o IFSC. Eles contratam majoritariamente o pessoal de Benguela e Namibe, já que não conhecem essa realidade. Isso já tira a possibilidade.


Voz externa: De alguma rebelião?


Calueio: Isso, a língua é diferente. A cultura também, a forma de se organizar e produção social da vida difere, o que atrasa a possibilidade de revoltas internas nessas minas de exploração.


Calueio: E outra coisa, aqui, essa região da Costa já tem mais infraestrutura. O cara que sai daqui para cá, ele não vai espantar é uma coisa que já se está acostumado. Mas, se você tirar uma pessoa do interior, ele vai ver outra coisa. Então a possibilidade de contestação é muito forte e tem a ver também com o próprio tipo de ocupação portuguesa, que ele ocupa sempre nos mares, o que a gente vê também no Brasil. É o Atlântico, eles ocuparam as principais cidades do litoral, aqui por exemplo vivem na capital 35% da população angolana, depois vem Benguela também, a minha cidade, depois tem um pouquinho para dentro Huambo e Huíla, são essas quatro ou cinco que têm 74% da população.


Calueio: Então eles tiram as pessoas daqui onde tem mais infraestrutura e colocam aqui, normalmente quem está vindo de outra província. Para responder a tua pergunta, conseguem vaga dentro desses condomínios, mas é muito difícil, se ele for solteiro sozinho é muito mais fácil. Por exemplo, o meu irmão está aí há muito tempo, mas a família mora aqui porque é muito difícil, ele não consegue pegar o pessoal e levar.


Voz externa: E a tua comunidade de origem é rural ou urbana?


Calueio: Eu nasci no urbano, mas os meus pais não.


Mamigonian: Onde que é a vila do teu avô, que tu falaste?


Calueio: Aqui, nesse meio aqui, inclusive pertencia à Huíla, pertencia nesta província onde meu avô viveu. A municipalização, emancipação dos municípios, lá se fala emancipação das comunas. A comuna se torna município. Com a emancipação dos municípios, essa comuna que pertencia à Huíla, se tornou município e pertence à Huambo hoje. A minha família é dessa região, toda essa região é região Umbundu.


Voz Externa: Umbundu era um clã?


Calueio: Umbundu é uma língua, e o povo é Ovimbundu, é o maior povo de Angola em termos de números. Em termos de fala, o Umbundo é a segunda língua mais falada.


Voz externa: Tu já ouviste falar nas histórias da tua família como que foi a questão dos raptos para escravidão, da transferência para o Brasil? A tua comunidade chegou a sofrer?


Calueio: Chegou, então, na dissertação eu citei, mas talvez na tese eu vou aperfeiçoar um pouquinho mais. Justificar a ligação entre Brasil e Angola. A comunidade de negros que vem para o Sul do Brasil, eles saem de Benguela.


Voz externa: Para Sul do Brasil, Paraná; Santa Catarina; e Rio Grande do Sul?


Calueio: Isso, e principalmente Santa Catarina. Eu participei de uma banca que ele fez essa pesquisa de literatura, que ele buscou várias línguas, várias falas dos catarinenses, inclusive o sotaque. Tem um sotaque catarinense que é muito próximo a quem fala Umbundu. . O principal porto de escravatura do Sul era aqui. Essa aqui, se você vai reto dá direto na Bahia. Se descer um pouquinho mais dá aqui em Santa Catarina, inclusive. E tem um site (slave voyages) patrocinado pela ONU, pela Unesco, que mostra o ano, o barco, o navio, o capitão e tudo e muitas vezes com os nomes de quem saiu.


Calueio: Os últimos barcos, quando essa rota para o Nordeste estava sendo bloqueada através da força marítima inglesa, saiam de Luanda e de Benguela direto para Santa Catarina, para fugir da fiscalização. E aí onde vem um grande número de negros de Benguela pra Santa Catarina.


Voz externa: Tu sabe a época? Que ano, data?


Calueio: Eu tenho isso na dissertação.


Voz externa: Século XIX? Tu chegasse a colocar na dissertação?

Calueio: Cheguei a colocar, Século XVIII, Século XIX ainda teve, quando a fiscalização se fortaleceu mesmo. O  Século XIX ainda teve muitos barcos de Benguela para cá.


Voz externa: Direto para Florianópolis?


Calueio: Para Florianópolis, para São Paulo, para o porto de Santos, porque aqui já estava se reestruturarando o Sul do próprio Brasil.


Calueio: Então tem muitos negros saindo de Benguela. Benguela se emancipou muito tarde, Lobito por exemplo.


Voz externa: Mas os negros cativos não eram na maioria de Angola? Vinham do restante.


Calueio: Do restante é mais no começo, no começo eles vinham, paravam aqui no Zaire, e do Zaire direto para cá. Agora no final os que vinham daqui eram do interior de Angola, porque aqui já tinha postos de controle lusos. Benguela e Namibe. Lobito mesmo. Lobito, o nome não é Lobito, onde eu nasci, é aqui onde tem esse porto é Lopito em Umbundu, Lopito é passagem, caminho, não era uma cidade, era um lugar de descanso.


Calueio: Aí se pegavam escravos aqui no interior, levavam eles a pé ou de carroça até Lopito, o escravizado ainda não partiu, ele está no caminho, ele está no Lopito, que era a última cidade para dar o adeus. Aqui tinha um reino muito forte, Bailundo ou Mbalundu, que falava Umbundu, que fazia as revoluções, porque aqui é costa e o planalto, tem uma altura aqui muito grande, eles faziam revoluções de portugueses antes dessa descida. Antes, quando sai do planalto para descer para o litoral, aqui faziam as revoluções, porque era muito mais difícil de ir contra. E aí vai, se  conseguir descer para costa  Ficava mais difícil para o pessoal escravizado. “Não, ele ainda tá aí, então tá no Lopito”, aqui dava chance de fugir, se passou essa, se desceu o planalto, aí não tem como porque aí tem posto de controle policial português e tem armas. O Lobito se forma através disso.


Calueio: Aí tinha que ter uma estrutura. Polícia, uma alfândega e registro. Lobito começa a se formar a partir dessa história, por isso que durante muito tempo foi um dos maiores portos de África, tem uma estrutura muito boa aqui, as praias eram muito bem conservadas e tudo mais. Então a história do Lobito em si é essa, agora sobre escravatura mesmo em si, dentro, na região Sul de Angola foi muito tarde. A escravatura aconteceu primariamente muito forte na região Norte de Angola, Zaire onde é o Reino do Congo, era muito emancipado muito forte. E lutas com outros povos inclusive, africanos, que eram capturados, como símbolo de clemência, eram comercializados dentro da própria África, uma escravatura doméstica serviçal, O comércio do homem não era o fim em si. eles comercializavam os inimigos mais fortes que haviam sido capturado, isso antes da chegada dos portugueses, os mais fortes eram comercializados entre eles para impossibilitar uma rebelião.


Calueio: O povo se rendeu? Tudo bem. Eles fazem morada dentro do Reino do Congo por exemplo, mas com acesso a terras, acesso a servos. E os generais de guerra desses povos inimigos eram vendidos pro Sul de Angola e outros pontos da África que eram outros reinos.


Voz externa: Filipe, esse período da escravatura teve entre as populações?


Calueio: Isso, que a gente chama de uma escravatura doméstica, não é uma escravatura transatlântica onde o negro em si é o fim. Aí o fim é a contenção de uma guerra, por exemplo, aí o fim é a contenção de uma rebelião. O negro em si não era um produto, agora com a chegada de portugueses e vendo essa realidade aqui se incentivava conflitos.


Calueio: Incentivava o conflito para quê? E quem rotulava que era violento era quem incentivava o próprio conflito. E a comercialização começou a ser a partir do estrangeiro. Só que aqui não demora, a rebelião no Congo não demora, 15 anos depois da chegada dos portugueses já há uma divisão, Mutu-ya-Kevela, um aristocrata com 300 militares fala “não, o incentivo da luta tá sendo um fim e a venda, de comércio, tá sendo um fim”. Nós estudamos bastante ele, e ele racha o Reino do Congo falando que isso aqui vai dar problema. Ele racha o Reino do Congo.


Calueio: No Sul do Reino do Congo, que é aqui na região de Luanda, existia uma outra rainha, Nzinga Mbandi que também fala a mesma coisa. Quando se batiza para o catolicismo, passa a ter outro nome, Ana. Ela vive com os portugueses e depois faz uma racha, uma rebelião, a partir de apoios dos holandeses. Porque nessa altura a Inglaterra, apoia Portugal num conflito direto com a própria Holanda, que está se sobressaindo para tomar o controle do sistema mundo, sobretudo financiamentos de rotas marítimas. Então ela descobre que portugueses então estavam sendo financiados por ingleses e o inimigo dos ingleses eram holandeses. E os holandeses estavam entrando aqui a partir do Cunene, ela sai daqui, desaparece durante dois anos, faz formações aqui e tudo mais. Inclusive esses dias, apresentaram cartas dela em inglês, em português, ela era poliglota. Também tem uma série na Netflix da mulher do Will Smith e tudo.


Calueio: A Nzinga sai daqui, encontra os holandeses aqui, forma homens e volta. Ela tira os portugueses de Luanda. Ela fala “não, esses caras tão incentivando um conflito, e um conflito que não é nosso, existe um conflito lá atrás”. Aí está escrito, tem cartas dela pedindo “vocês tem que sair, se vocês não saírem eu vou atacar” e o rei respondendo “você nem é Nzinga, você é Ana, você não tem mais poder” e ela pega essa região aqui, através do Reino do Bailundo, todas essas, essa região aqui do Centro e vão pra libertar o Reino do Congo, e ela consegue fazer uma ruptura. Na minha dissertação eu falo sobre a ruptura no Reino do Congo, da chegada dos portugueses, 15 anos depois da chegada dos portugueses até a Independência houve sempre, momento contínuo, umas poucas, outras menos, mas houve um fluxo assim de contenção.


Voz externa: Isso tem um recorte que você faz na sua dissertação, de 75 até 95?


Calueio: Não, eu pego os grandes conflitos de 1485, e aí a cada 30 anos, 40 anos tem sempre um conflito enorme, até 1975. Mas tem rebelião que foi mesmo uma rebelião grande e tem outras que foram mais localizadas. Essa do Congo, do Mutu-ya-Kevela, isso desestruturou o Reino Português, o Império Português. Principalmente a da Nzinga, foi a maior revolução que houve em Angola, no Reino de Angola, aí foi a da Nzinga.


Calueio: Nzinga conseguiu causar ruptura grande, inclusive uma carta que eu tive acesso, também na dissertação, o rei com o comissário português, fala assim. “Olha, as perdas que a Nzinga está a causar aqui são enormes, você não imagina, a gente tem que sair daqui e ocupar só a parte Norte de Angola” e o rei responde, “não, eu vou mandar mais financiamento e vamos negociar com os holandeses para não vender armas para Nzinga”.


Voz Externa: O que eu sei, pouca coisa, é só por causa do livro do Pepetela, mas eu vou procurar a série, muito interessante.


Calueio: Tem na Netflix.


Voz Externa: E qual a população, hoje, de Angola?


Calueio: 32 milhões.


Voz Externa: 32 milhões, e seria o tamanho de qual estado do Brasil?


Calueio: São Paulo, inclusive em número de pessoas, né? Está com 32 milhões.


Voz Externa: E Luanda tem quanto?


Calueio: Luanda tá com 8 milhões de pessoas, 8 ou 9 milhões de pessoas, 30% da população, então está tudo concentrado em Luanda.


Voz Externa: O professor Armen conhece Angola?


Mamigonian: Não, tenho que conhecer. Estes diamantes que tu falaste, antes da Independência de quem eram?


Calueio: Olha, provavelmente da Bélgica. A Bélgica estava lá muito forte, nessa região. Provavelmente belgas e franceses, porque essa parte aqui foi tudo colonizado por belgas e franceses, essa parte de África. Aqui é República Democrática do Congo e Congo Brazzaville.


Calueio: Isso tudo aqui eram belgas e franceses, então eles adentravam até aqui.  Inclusive isso aqui, Lunda em si, é uma região que pertencia ao Congo, essa região onde está cheio de minério em Angola é uma região que pertencia ao Congo. Entretanto na conferência de Berlim a divisão que fazem é que isso aqui fica para Portugal. E é a região onde tem muita pedra, tem muito diamante. Ainda tem muito diamante até hoje. Inclusive essa semana eu vi professores que não estão sendo pagos indo nas matas procurando, com picaretas e motobombas. Principalmente nos rios, tipo, há uns 20 anos, não é muito tempo, 20 anos atrás, meus irmãos mais velhos iam aqui e na beira do rio ainda vinha em alguma pedra.


Calueio: Mas agora já tem que cavar um pouquinho e a fiscalização é muito forte. Só que essa semana, é uma contestação mesmo, porque ele estavam a fazer isso, não no clandestino, e não são pessoas aptas para fazer, são professores, enfermeiros. “Ah, já que vocês não pagam, então a gente vai atrás de diamante e a gente vende” porque na rua das lundas, você tem muito tráfico de pedras, você encontra pessoas sentadas trocando pedras como um câmbio e casas específicas para troca de pedras. Olha quem não foi na África, parece uma coisa bizarra mas Dólar, por exemplo, na África não se troca no banco. Dólar é na rua, tem câmbio de dólar na rua, tem um mercado formal, aqui (no Brasil) também tem, mas aqui não é conforme lá. Lá troca-se 10 mil dólares na rua, 50 mil dólares, você consegue encontrar na rua, além do câmbio formal.


Calueio: E sempre você vai para o banco, no banco não tem Dólar. Você vai para rua, na rua tem Dólar. Então existe câmbio de pedras. Inclusive vários turistas chegam e pegam pedras falsificadas, pintadas e tudo mais, assim como dólar também.


Voz Externa: Pirataria de esmeralda?


Calueio: Normalmente quem vem comprar vem com um engenheiro, um geólogo, alguma coisa assim, que compra, testa a pureza da pedra e vai. O cuidado é na hora de sair após a compra, né? Aí é que é complicado, aí que você tem que fazer outro esquema para poder sair com a pedra e aqui (no Brasil) também. Você chegou em São Paulo outro esquema, então, ou seja, não é uma pessoa que consegue sair com 15 pedras é uma rede que sai.


Calueio: E no Sul, professor, no Sul brasileiro é onde tem os maiores compradores de pedras preciosas da Lunda Norte.


Mamigonian: O Sul do Brasil tu diz São Paulo?


Calueio: Não, no sul do Brasil, inclusive e principalmente Curitiba.


Voz Externa: Mas oficial, né?

Calueio: Não, isso tudo eu tô falando fora, extraoficial, porque o pessoal sabendo que você é angolano e tudo mais, volta e meia convida “olha, conseguimos 15 pedras, precisamos de alguém só para tirar”.


Voz Externa: Só para tirar de Angola.


Calueio: Isso, porque se é estrangeiro o cuidado é maior.


Voz Externa: Pessoal de Curitiba?


Calueio: De Curitiba, sim, tem gente. Aí você sai com 15 pedras e a gente te oferece um apartamento aqui como bonificação.


Voz Externa: Mas deve ser tenso, né?


Calueio: Eu nem quero imaginar como é que é tentar isso, mas imagina. Eles procuram, principalmente pessoal que está aqui há muito tempo, tem residência. O controle é pouco porque a Polícia Federal não vai perder tempo com o Filipe que está aqui há oito anos, vai e volta, eles sabem, não está no filtro da receita, sabem que está estudando, sempre esteve estudando, é esse tipo de pessoas que eles vão atrás. Mas que tem, tem, e é grande.

Comentários


CONTATO

Sede em Florianópolis, SC

 contato@institutorangel.org | +55 48 98436-0745

Assine para receber notícias, eventos e muito mais!

Obrigado pelo envio!

© 2025 | INSTITUTO RANGEL POR MARIANA D'LARA

CNPJ 21.603.657/0001-13

bottom of page