top of page

Maranhão: antigo e novo

Atualizado: 13 de fev.

LabCit-UFSC (06/11/2003)


O Maranhão foi, como é sabido, uma das províncias mais ricas do império. Quase isolado do resto do Brasil, enquanto o principal meio de transporte foi o navio à vela, dado que a conjugação da Corrente do Brasil com o alísio fazia com que o caminho mais curto de São Luís a Fortaleza passasse pelo Mar dos Sargaços e Lisboa, vivia também uma conjuntura econômico-social sui generis. Pensava mais com a cabeça de Coimbra e de Paris, do que do Rio de Janeiro. Não por acaso, era a Atenas Brasileira.


O navio a vapor viria romper esse isolamento, já que podia vencer a corrente oceânica e o vento, ambos correndo na direção geral Leste-Sudeste a Norte-Noroeste.


Mas restava outro fato, capaz de singularizar a conjuntura maranhense no contexto nacional. Com efeito, não se havia cumprido no Maranhão – como também em Mato Grosso – a condição nulle terre sans seigneur. Por outras palavras, persistia a possibilidade de que a abolição da escravidão representasse, não um passo à frente, mas um passo atrás. Não a passagem ao feudalismo, um modo superior de produção, mas o retrocesso à taba e à cubata, isto é, ao comunismo primitivo.


Quando chegou a 13 de maio, já o vizinho Ceará havia, de fato, abolido a escravidão por uma série de posturas municipais. Claro está, que isso nem sempre significava a liberdade para os escravos, os quais eram, não raro, contrabandeados para o Sul e, inclusive, para o Maranhão. Mas significava que a economia cearense, ou melhor, o lado interno do polo interno da dualidade havia passado ao feudalismo, um modo mais avançado de produção.


O Maranhão – como Mato Grosso – estava na transição entre o Nordeste oriental uma área de virtual monopólio da terra pela classe dos fazendeiros, e a Amazônia, que era terra de ninguém. Assim, libertados os cativos, estes usaram sua liberdade, como era natural que o fizessem, voltando à cubata – uma forma legalizada de quilombo, como aglomerados que chegaram aos nossos dias – ou tornaram ao nomadismo copiado dos índios. (Nossa universidade está a dever-nos um estudo da importância da mão de obra indígena, na composição da mão de obra escrava, no Maranhão).


Assim, enquanto ao Sul – especialmente no Sudeste – a abolição representava um formidável passo à frente, o Maranhão passou a ser a "terra do já teve". Especialmente a Guiana Maranhense, isto é, a área ocidental do Estado, entrou a caminhar, a passos largos, para a pré-história. Burgos ricos, como Alcântara, Turiaçu e, suponho, Engenho Central, Viana etc. entraram em decadência. É certo que, concomitantemente com o virtual colapso da agricultura, na esteira da abolição, assistíamos a um desenvolvimento singular da indústria de transformação, especialmente em São Luís. Assim, segundo o Prof. Jerônimo de Viveiros – meu ilustre mestre de história – com 16 fábricas, o Maranhão era o segundo parque industrial brasileiro, aí por 1895. Seguindo-se a Minas Gerais, com 37 fábricas e acima da Capital Federal e ao Estado do Rio, da Bahia e de São Paulo que, nessa ordem, tinham 15, 14, 12, e 10 fábricas, somente.


Era o apagar das luzes de um período brilhante de nossa história. Somente por meados dos anos 50, demográfica e economicamente, o peso de nossa velha província, no corpo do Brasil, voltaria a começar a crescer. Demograficamente, somente em 1950 voltaríamos aos três por cento que tínhamos em 1890 - imediatamente após a abolição. Entrementes, o Maranhão foi a "terra do já teve". Além das 15 fábricas de fiação e tecelagem, inclusive de lã, meias e a Fábrica Cânhamo, tínhamos tido até fábricas de fósforo e pregos, raros no Brasil de então. A epopeia rodoviária, quebrando nosso isolamento dourado, que faria com que toda a área servida pela rica rede potamográfica, pela ferrovia São Luís-Teresina e pela importante frota de barcos à vela gravitasse em torno do empório da Praia Grande, o surto rodoviário viria subverter esse estado de coisas.


Com efeito, o que restava do nosso orgulhoso parque industrial da passagem do século (que não se modernizara) quebrou-se como a panela de barro em choque com a panela de ferro da fábula ao entrar em competição aberta com a novel indústria sulista e, inclusive, com a indústria do Nordeste oriental.


A seca de 1958, no Nordeste, deu um golpe fatal nesse parque industrial. Os caminhões que vinham buscar o arroz do Mearim, além de flagelados nordestinos, traziam- nos produtos industriais competitivos com os supridos por nossas fábricas sobreviventes. O tabuado lançado sobre a ponte ferroviária entre Teresina e a velha Flores foi o golpe de graça.


Mas o surto agrícola, nas cinzas da velha mata, compensou com sobras essa perda. Era outro processo que se abria. Queimada a mata uma vez, não tendo mais de onde tirar madeira para a cerca e para queimar, o lavrador maranhense a declarava "terra cansada". O migrante do Nordeste oriental, muito mais gregário, não raro emitia outro parecer. Vi roçados nordestinos de dezenas de famílias, cada uma explorando seu lote, delimitado por fileiras de mamona, mas protegida, toda a área por uma única cerca, o que implicava numa colossal economia de material.


Fui encontrar em Bacabal nada menos que um projeto de declará-lo "município agrícola". Uma cerca única, envolvendo todo o município, e protegendo suas lavouras contra os bois dos municípios pecuaristas vizinhos, não estava fora de cogitações.


Essa utopia, que eu o saiba, não teve seguimento e, ao que ouvi, em minha recente passagem por São Luís, Bacabal é hoje um município pecuarista. Primeiro o maranhense expelido pelo nordestino oriental, depois, este último expelido pelo boi. Aí por princípios dos anos 60, conversando sobre esse processo – na primeira fase, quando entrava o nordestino e saía o maranhense – com o então governador de Goiás, Mauro Borges, dele ouvi o reverso da medalha, isto é, que havia em seu estado, nada menos de 53 prefeitos maranhenses. O surgimento do Estado do Tocantins, em nossos dias, não deve ser estranho a esse processo.


Na sequência natural deste, estavam implícitos dois movimentos de "fronteira": a) a investida contra a mata amazônica, com seus hoje notórios desastrados efeitos ecológicos; b) a escalada dos chapadões e dos cerrados o que implicava na introdução de uma agricultura de novo tipo tecnologicamente apoiada nas novéis indústrias mecânicas e químicas e na ciência agronômica e, sociologicamente, sob o comando do novel capitalismo agrícola brasileiro, que está tomando o lugar do velho latifúndio feudal.


A investida contra a Amazônia leva o movimento, naturalmente para fora das fronteiras históricas do Maranhão, ao passo que, parcialmente, a escalada dos cerrados implica na criação de uma "fronteira interna", na direção geral do sul do estado. Ora, não é improvável que essa segunda fronteira resulte no aparecimento de nova unidade federativa, a exemplo de que vem acontecendo na Amazônia e no Centro-Oeste. Teríamos, assim um "Maranhão do Sul".


Parece-me claro que a penetração do capitalismo no campo – efeito socioeconômico da escalada dos cerrados e das chapadas – não poderá deixar de contagiar-se à caatinga nordestina. Um pouco mais demoradamente, porque, ao contrário do cerrado, que estava desocupado, a caatinga não o está. Mas o campo de batalha dessa nova investida bandeirante, que é a penetração do capitalismo no campo, são as áreas-problemas do País.


Os vastos campos da Baixada Maranhense, abrindo a porta a uma promissora agricultura irrigada, com a água dos rios que formam o Golfão parece-me igualmente estar na ordem natural das coisas, como área de eleição para o emergente capitalismo agrícola brasileiro.


Mas, para encerrar essas notas, não poderíamos deixar de lado as perspectivas da nova indústria maranhense de transformação. O porto de Itaqui, ao emergir como porta aberta para a Europa e a América do Norte, tinha que ser o ponto de apoio para a alavancagem do processo todo.


Lembro-me de que, sendo Presidente da República Jânio Quadros, eu, atendendo a uma ordem do chefe do governo, encaminhei-lhe parecer onde sugeria a continuação da então BR-243, que começava na Paraíba e, havendo cruzado o Piauí, penetrara no Maranhão, na direção geral da Amazônia. Lembro-me de que dizia que aquela estrada somente devia parar - se parasse - na fronteira do Peru, e recomendava que os engenheiros incumbidos da locação da estrada estivessem de olho bem abertos no cruzamento do divisor de águas entre o Tocantins e o Xingu. Sabemos, hoje, que a estrada não parará na fronteira do Peru e que Callao é seu término natural. Por outro lado, no divisor de águas entre o Tocantins e o Xingu está, nada menos, que Carajás.


Hoje, atrevo-me a pensar numa ferrovia projetando a Carajás-Itaqui para o Oeste, na direção geral de Callao, o que faria de Itaqui a porta do Peru para a Europa e à América do Norte e de Callao nossa porta natural para o Pacífico.


As consequências desse esboço ciclópico para o Maranhão - naturalmente complementado pela conclusão da Ferrovia Norte-Sul (a Estrada Tocantina, neste primeiro trecho já lançado) não podem ser exageradas. Como meio de transporte – excluído o duto, onde couber – a ferrovia emergiu como o mais eficiente meio de transporte de cargas pesadas. Não é por acidente que o Japão, no processo de transportar suas cargas para a Europa, esteja preferindo, aos tradicionais caminhos marítimos por Boa Esperança e pelo Canal de Panamá; as ferrovias canadense e transiberiana, apesar dos transbordos inevitáveis – em Vancouver e Terra Nova, e em Vladivostok, respectivamente.


É claro que teremos que vencer dois formidáveis obstáculos, a saber, a floresta amazônica, com seus grandes rios e os Andes – aqueles e estes perpendiculares ao sentido da marcha – mas não creio que esses obstáculos sejam maiores que o "permafrost" agravado pelos sismos da Sibéria Oriental, que não impediram o lançamento da BAMUR. Ora, somente “pensando grande”, podemos formar juízo sobre as perspectivas que estão abertas para o nosso Maranhão.


Minha recente viagem ao Maranhão – maio/89 – persuadiu-me de que a retomada pelo nosso Estado do seu antigo lugar de grande centro industrial já começou. Com uma peculiaridade: que, em vez de indústria leve, é indústria pesada o que teremos, centrada na siderurgia e na metalurgia em geral. Embora geograficamente situado no Pará, é o Porto de Itaqui que alavanca o projeto de Carajás, apenas começando, até porque não tardaremos a “redescobrir” o antracite do Xingu, isto é, do Rio Fresco. Ora, por perto da Ponta da Madeira é que esse antracite se encontrará com nossas hulhas pobres, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Há muito que sabemos que, combinadas com o antracite, essas hulhas pobres forneceriam um coque perfeito. (A menos que, levado a termo o projeto ferroviário Norte-Sul, a localização lógica do grande projeto siderúrgico se desloque para o entroncamento ferroviário Norte-Sul com Carajás. Tanto mais quanto, pra Açailândia, poderá confluir o gás natural amazônico).


Mas São Luís será sempre a localização privilegiada para a indústria que converterá os lingotes de Açailândia em produtos finais. Os exclusivismos regionalistas brasileiros – inclusive os paulistas e os nordestinos – estão morrendo. Eles refletem imperativos geopolíticos, exemplificados aqui com o casamento da Corrente do Brasil com o alísio, e imperativos geoeconômicos, herdados do antigo latifúndio feudal. O Brasil unifica-se, cada vez mais energicamente e, nessas condições o que importa decisivamente são os fatores de localização.


Os quais nos apontam uma posição de elite, no vigoroso organismo em que se converteu o Brasil.




Kommentare


CONTATO

Sede em Florianópolis, SC

 contato@institutorangel.org | +55 48 98436-0745

Assine para receber notícias, eventos e muito mais!

Obrigado pelo envio!

© 2025 | INSTITUTO RANGEL POR MARIANA D'LARA

CNPJ 21.603.657/0001-13

bottom of page