O partido dos rodoviários, a utopia dos novos trilhos e a esperança cansada
- Léo Estrella
- 14 de set. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 12 de fev.
Rede Catarinense de Notícias (14/09/2021)
Nos anos 1960, segundo o economista Ignacio Rangel, havia um tema capaz de unificar os diferentes ideários dos partidos políticos brasileiros da época: a carência de rodovias. Em meio ao processo de industrialização, essa necessidade mobilizava congressistas em torno da urgência de nova infraestrutura. O vasto território brasileiro assemelhava-se a um arquipélago, com ilhas econômicas isoladas e pouco interligadas. Em Santa Catarina, esse isolamento era ainda mais acentuado pelas características do relevo e pela diversidade das colonizações, que conferiram especificidades socioeconômicas às regiões do estado.
O Brasil da época refletia essa realidade em seu transporte: um sistema ferroviário regional, fragmentado e incapaz de atender às demandas de uma industrialização que necessitava de integração nacional para escoar suas mercadorias, especialmente em um contexto de substituição de importações. O sistema rodoviário emergente também não era suficiente para suprir os novos volumes de bens e as grandes distâncias, o que incentivou o surgimento de uma forte indústria de materiais ferroviários. Rangel lembra que, no início da década de 1950, o transporte de mercadorias no país era quase igualmente dividido entre rodovias, ferrovias e cabotagem.
O projeto do "trem-bala", concebido pelo Ministério dos Transportes para conectar, em 500 quilômetros de trilhos, o Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, era um reflexo desse regionalismo. Rangel classificava-o como "hostil à industrialização", por priorizar conexões regionais em detrimento da necessária integração nacional.
Essa realidade histórica ainda encontra ecos no presente. O agronegócio, setor que em Santa Catarina responde por cerca de 70% das exportações e 30% do PIB, além de ser fundamental para 83 municípios e gerar 700 mil empregos diretos, sofre impactos significativos devido às precárias rodovias que conectam o Oeste catarinense ao litoral e aos demais estados. Segundo entidades do setor, os custos de transporte aumentam cerca de 40% devido à necessidade urgente de investimentos nas desgastadas rodovias.
Há, no entanto, uma renovação de esperança com o anúncio de um projeto ferroviário que prevê 286 quilômetros de trilhos entre Cascavel (PR) e Chapecó (SC), com investimentos estrangeiros da China e do Japão, estimados em R$ 6 bilhões.
Desde a privatização do sistema ferroviário em 1997, os maiores investimentos no setor ocorreram entre 2005 e 2016, mas, de 2017 a 2020, verificou-se um declínio acentuado nos aportes. Os cerca de R$ 75 bilhões investidos desde o final da década de 1990 foram majoritariamente direcionados à reforma da malha existente e à aquisição de novos materiais, com poucos recursos destinados à construção de novos trilhos e rotas. Com isso, o Brasil permanece com uma densidade ferroviária muito inferior à de outros países continentais — em média, três vezes menor — e abaixo de vizinhos latino-americanos como México e Argentina. Atualmente, apenas 15% da matriz de transporte nacional é ferroviária, enquanto 65% é rodoviária e 20% aquaviária.
Essas limitações contribuem para o forte processo de desindustrialização no país, aliado à estagnação e ao retrocesso em diversos setores de infraestrutura. Entre 1947 e 1959, a participação da indústria no PIB nacional cresceu de pouco mais de 16% para 23,3%. Outro período de ascensão ocorreu entre 1967 e 1983, quando essa participação aumentou de 20,4% para 27,3%. Contudo, uma queda acentuada foi registrada entre 1984 e 2001, com a participação da indústria declinando de quase 30% para pouco mais de 13%. O último período de recuperação, de 2002 a 2005, levou a um pico de 17,8%, mas não foi sustentado, e a partir de 2016 a queda se intensificou, encerrando 2019 com apenas 10% de participação no PIB.
Comments