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Taxas de juros e privatização

Folha de S. Paulo (29/09/1989)


Não falta quem suponha que a elevação da taxa de juros sobre a dívida pública interna teria um efeito depressivo sobre os investimentos diretos do setor privado e, consequentemente, sobre o coeficiente de privatização do sistema. Por outras palavras, o poupador privado, aos “investimentos produtivos”, preferiria as aplicações “especulativas” do open ou dos papéis do Tesouro.


Para começar, não é certo que as aplicações com esse destino sejam implicitamente “improdutivas”. Com efeito, sob a responsabilidade do Estado, do setor público, encontram-se atualmente as atividades de cuja capitalização mais depende o crescimento do sistema como um conjunto. Consequentemente, se as aludidas “aplicações especulativas” tiverem concretamente o efeito de levar água aos moinhos dessas atividades, de cuja capitalização depende a expansão do sistema, sem deixarem de ser especulativas, consistirão em investimentos produtivos.


O problema somente se configura quando ditas aplicações já não levam mais recursos até esses destinos. O caso é que o Tesouro revelou-se um devedor inseguro, que não mais convence o credor, buscando compensar sua óbvia insolvência com uma elevação descabida da taxa de juros e com o absurdo encurtamento dos prazos. Assim, a dívida cresce, não porque aporte recursos novos, mas, vegetativamente, por simples capitalização dos juros. Nessas condições, a dívida – interna ou externa – converte-se num sumidouro de recursos levantados por via fiscal ou pela emissão pura e simples de circulante novo, deixando de cumprir sua missão de carreadora de excedente social, das áreas carregadas de capacidade ociosa, para as áreas estranguladas.


É nesse contexto que se configura objetivamente o problema da privatização. Não tendo como carrear para suas próprias oportunidades de investimentos – atividades subcapitalizadas, do ponto de vista das conveniências gerais do sistema econômico – o excedente social surgido no selo do setor privado, não resta alternativa ao Estado senão confiar ao dito setor privado aquelas atividades subcapitalizadas.

Como essas atividades estão estruturadas como serviços públicos, não havendo, para muitos deles, enquadramento institucional alternativo, não faltará quem pretenda que ao investidor privado serão preferíveis as atividades não submetidas à disciplina da concessão de serviço público. O que estaria correto se, nas condições concretas da economia e da sociedade, ainda houvesse tais atividades livres – no sentido de livres da disciplina do direito de concessão – abertas ao investimento. Há um quartel de século, era esse o caso e, por isso mesmo, a iniciativa privada impôs ao seu Estado a incumbência de responsabilizar-se pelas atividades ora estruturadas como serviços públicos concedidos a empresas públicas.


Nessas condições, o esforço global de formação da capital era suficiente. Suficiente para os fins curiais de engendrar renda e criar emprego. Dessa renda incremental, uma parcela mais que proporcional ia ter às arcas do Tesouro. Este tinha, consequentemente, de onde auferir os recursos necessários à capitalização das atividades restadas sob sua responsabilidade: quer diretamente, quer sob a forma de dívida, facilmente levantada, porque o Estado era um devedor solvente. Aqueles que não perderam inteiramente a memória, deixando-a embotar-se sob a ação de preconceitos pseudo-ideológicos, devem estar lembrados de que, por muito tempo, tanto o Estado, como o investidor privado, contaram com abundante oferta de capitais a taxas negativas de juros reais.


As taxas negativas de juros reais são hoje uma vaga lembrança do passado. Não apenas as taxas se tornaram espontaneamente positivas, fortemente positivas, como não tem faltado, no comando da coisa financeira pública quem julgue que assim deve obrigatoriamente ser. Como se ao investidor privado sobrassem forçosamente oportunidades de inversão em condições de eficácia marginal positiva de capital. A verdade é que as taxas de juros reais se tornaram positivas, porque o Estado, o único investidor no comando de eficácia marginal positiva de capital é um devedor insolvente, tão desacreditado que, mesmo pagando juros proibitivamente elevados, já não consegue mobilizar recursos novos.


Em suma, o que era possível fazer por essa via – pela via do endividamento – já foi feito, de modo que a aproximação das oportunidades de investimento das áreas de capacidade ociosa, isto é, habilitadas a engendrar poupança, tornou-se compulsória. E não se creia que essa aproximação – vale dizer, a privatização – deva ser feita em condições de rentabilidade mais elevada que a taxa de juros ora paga pelo Estado. Afinal, este é um devedor insolvente, de modo que emprestar-lhe é sempre uma temeridade.


Com efeito, se, pelo seu investimento num serviço público, o investidor cria um ativo real garantidor implícito do investimento, não haverá por que exigir que a rentabilidade desse investimento seja igual ou maior do que a oferecida por empréstimos a um devedor falido.

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