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Carta Aberta: Santa Catarina precisa planejar seu futuro energético

O setor de gás natural em Santa Catarina atravessa um momento decisivo. Diante disso, manifestamos, por meio desta carta aberta, a necessidade de reorientar a governança, a estratégia e a atuação pública na concessão do serviço de distribuição de gás canalizado, um serviço público essencial e vetor relevante para o desenvolvimento do estado e para a competitividade de cadeias produtivas estratégicas. A conjuntura atual impõe uma revisão de rumos, com transparência, responsabilidade social e alinhamento aos desafios da reindustrialização, da sustentabilidade e da transição energética. Nesta carta aberta, propomos ao governo catarinense, aos sócios públicos da concessão, ao mercado consumidor e à sociedade novos caminhos e reposicionamentos necessários para o futuro do setor.


Governança pública e regulação estratégica

É imperativo que o Governo do Estado de Santa Catarina, na condição de poder concedente, a Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. (Celesc), enquanto acionista majoritária, e a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), como representante institucional da indústria e histórica conselheira do setor energético estadual, retomem o papel estratégico de condução das decisões fundamentais no desenvolvimento dessa infraestrutura pública. Isso inclui: a revisão do Acordo de Acionistas, reequilibrando o peso público frente a interesses privados; a recomposição e redimensionamento das diretorias e estruturas internas da concessionária, com especial atenção às áreas de planejamento, gestão comercial e definição tarifária, hoje sob notável desequilíbrio técnico; e a reabertura de diálogo com a Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa Catarina (ARESC) e o setor produtivo quanto à possibilidade de revisão do Contrato de Concessão vigente, celebrado na década de 1990, que assegura níveis de remuneração superiores aos padrões atuais de retorno sobre ativos regulados. Além disso, torna-se necessário avaliar a viabilidade de novos arranjos territoriais e a criação de novas concessões em regiões ainda desabastecidas ou economicamente promissoras, a exemplo do aconteceu nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde a ampliação de áreas concessionadas foi adotada como instrumento ampliação do serviço.


Foco no setor industrial e equilíbrio tarifário

A política comercial da concessão deve ser reavaliada com urgência. A priorização do mercado residencial em espaços urbanos verticalizados e de classes sociais privilegiadas tem gerado distorções estruturais no sistema tarifário, penalizando a indústria com subsídios cruzados, perda de competitividade e risco de desmobilização produtiva, como se comprova pela retração de mais de 25% no consumo nos últimos quatro anos. Santa Catarina possui um parque industrial robusto, diversificado e tecnicamente capacitado para liderar uma nova etapa de desenvolvimento industrial de base tecnológica o que pode contribuir com a retomada dos volumes de consumo, atualmente em processo de transferência para o mercado livre, ou seja, ampliando o distanciamento do papel da concessão pública. Recolocar o segmento industrial como eixo estruturante da política pública de gás natural é condição para garantir previsibilidade tarifária, estabilidade contratual, investimentos em eficiência energética e ganho de escala na malha de distribuição.


Transição Energética Justa: biometano, GNL e redes locais

A concessão deve assumir, com protagonismo institucional, seu papel na viabilização da transição energética justa. O potencial técnico e territorial de produção de biometano em Santa Catarina é reconhecido há mais de uma década, mas ainda não foi internalizado de forma estruturante na política pública do setor. É fundamental que a concessionária desenvolva projetos integrados de fomento à cadeia do biogás, com mecanismos regulatórios, estímulo à produção local e estruturação de linhas de conexão viáveis. A simples inclusão do biometano em chamadas públicas de suprimento, sem apoio à estruturação da cadeia produtiva, tende a repetir os limites históricos de concorrência assimétrica entre fontes emergentes e fontes fósseis consolidadas em larga escala. Além disso, o terminal de regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL), localizado na Baía da Babitonga, entre os portos de São Francisco do Sul e Itapoá, deve ser avaliado para além de sua função portuária, podendo se transformar em vetor de interiorização por meio do modal rodoviário e de integração logística regional. Também é urgente retomar projetos de redes locais e sistemas isolados, com base em modelos técnicos simplificados e de baixo custo, que atendam regiões economicamente relevantes ainda desabastecidas como o Planalto Norte, Extremo Sul, Oeste e Meio-Oeste.


Integração regional e soberania energética sul-americana

A exclusão de Santa Catarina dos principais projetos do 1º Plano Coordenado de Desenvolvimento do Sistema de Transporte de Gás Natural, proposto pelas transportadoras e atualmente sob análise da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), evidencia a fragilidade institucional em um setor estratégico. O plano prevê R$ 37 bilhões em investimentos e contempla, no caso catarinense, apenas a duplicação de um trecho do Gasoduto Bolívia–Brasil (Gasbol), entre Siderópolis (SC) e Canoas (RS), e a instalação de uma Estação de Compressão (Ecomp) no município de Gaspar. Embora importantes, essas iniciativas não suprem o déficit de infraestrutura regional. É necessário retomar o debate sobre a proposta de gasoduto de transporte ligando Araucária (PR) a Chapecó (SC), como eixo estruturante da interiorização do gás e da ampliação do mercado servindo como uma oportunidade ímpar de integração com o potencial de gás não convencional argentino oriundo da Bacia de Neuquén. Também é essencial incorporar Santa Catarina às rotas de suprimento do GNL, promovendo articulações técnicas e diplomáticas com os principais países da região com vistas à construção de uma agenda de soberania energética sul-americana que integre modais, fontes e interesses nacionais em face dos potenciais da Argentina e da Venezuela e da importância dos territórios de passagem como Bolívia e Paraguai.


Gás para Empregar: novas infraestruturas e financiamento público

O programa federal Gás para Empregar representa uma oportunidade para romper com o modelo atual de expansão da infraestrutura limitada às concessões convencionais. O Estado de Santa Catarina e seus agentes institucionais devem liderar a proposição de novos gasodutos de transporte, com financiamento público direto, inclusive por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de fundos setoriais. Deve-se ainda viabilizar arranjos híbridos que combinem concessões, integração rodoviária e estímulos indiretos à malha com mecanismos como a destinação de percentuais das tarifas de pedágio para a expansão do sistema energético regional. Ao mesmo tempo, é necessário garantir presença ativa e articulada em fóruns regulatórios nacionais, defendendo o equilíbrio tarifário, a transparência dos critérios de remuneração e a expansão da malha como direito público associado à competitividade e ao desenvolvimento.


Santa Catarina precisa planejar seu futuro energético com visão estratégica e de longo prazo. A concessão do serviço público de distribuição de gás natural não pode se restringir a uma estrutura operacional guiada exclusivamente por lógicas comerciais. Essa infraestrutura deve ser concebida como instrumento de política industrial, de justiça tarifária e de apoio à transição energética justa, contribuindo para inserir o estado nos processos de integração territorial e de desenvolvimento regional sustentável.

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