A crise brasileira e os ciclos
- Ignacio Rangel
- 22 de jul. de 1989
- 3 min de leitura
Folha de S. Paulo (22/07/1989)
A esta altura dos acontecimentos, já deve estar claro que a economia mundial atravessa uma crise prolongada, dessas que acontecem a cada meio século. Precisamente: estamos passando pela fase “b” do 4° Ciclo Longo ou Ciclo de Kondratiev.
Acontece que essa crise que, a propósito da “perestroika”, os soviéticos confessam agora, apelidando-a de “estagnação” - num evidente exagero, ao qual não falta certa medida de flagelação - sem embargo do que possa ter de específico àquela formidável potência, enquadra-se obviamente numa crise mundial. Uma crise que devia ser esperada, e o foi, chegando em hora certa.
Na anterior fase congênere - do 3° Ciclo Longo, visto ser o 4° - a URSS escapou a muitos dos efeitos depressivos da conjuntura mundial. Como o Brasil, aliás. Em ambos os casos, havendo promovido, nós e os soviéticos, mudanças importantes em nossas relações de produção, nossas respectivas economias abriram-se a tecnologias já amadurecidas nos países do Centro Dinâmico mundial. Assim, nossos países tornaram-se capazes de comportar forças produtivas muito maiores do que as que já havíamos criado. Não por acaso, a URSS e o Brasil foram os países mais prósperos de todo o mundo, no período que se abria, pelo menos se tomarmos por base a produção industrial. No período de 1938 a 1980, nossas respectivas produções industriais cresceram 27 vezes (URSS) e 26 vezes (Brasil) contra 6,9 vezes do conjunto das economias capitalistas. O que nos deixa com 17,3 , 8,5 e 3,4 por habitante, respectivamente.
“Mutatis mutandis”, o motor primário do crescimento das economias soviética e brasileira foi o mesmo: uma enérgica substituição de importações. Uma substituição industrial de importações. Em condições imensamente diferentes, mas em ambos os casos, o desenvolvimento esteve enquadrado em severas medidas de planejamento. Não direi que esse planejamento fosse centralizado, porque não me ocorre outra modalidade de planejamento. Mesmo quando usamos os instrumentos próprios à economia de mercado, como o preço e o valor, esse só é, em grande parte arbitrado por uma autoridade central, cuja ação restringe severamente a anarquia da produção.
Nessa fase, a bem dizer pré-histórica, de planejamento, este inspira no modelo criado anarquicamente pelos países capitalistas mais desenvolvidos. Aí ocorre a primeira e maiúscula diferença entre o nosso planejamento e o soviético: enquanto eles começaram a montar seu modelo industrial a partir da indústria pesada, nós partimos da indústria leve. Mas era evidente que, a certa altura, completaríamos nosso “modelo” com a implantação de um parque pesado, do mesmo modo como os soviéticos teriam que completar o seu, modernizando o seu parque leve. Precisamente o que, lá e cá, vem acontecendo.
Isto posto, entretanto, é evidente - ou deveria sê-lo - que nossos respectivos planejamentos deverão passar de suas manifestações pré-históricas a formas mais amadurecidas de planejamento. Formas propriamente históricas. Em ambos os casos, a luta por formas amadurecidas de planejamento passa pelo paradoxo do repúdio ao planejamento não-centralizado - uma contradição em termos - seja em nome do retorno pura e simples à economia de mercado.
Entretanto, enquanto esse problema não se resolve, nossas economias perderam, ambas, a capacidade de se furtarem aos imperativos da economia mundial, mergulhando na fase “b” do 4° Ciclo Longo. Com efeito, comparando-se ao decênio 1963-73 com o quinquênio 1980-85, temos, para a produção industrial, as seguintes taxas anuais de crescimento, segundo os anuários e mensários das Nações Unidas, a melhor fonte disponível: Para o mundo, 6,8% e 1,9%; Para o mundo capitalista desenvolvido, 5,9% e 1,7%; Para o mundo socialista, 8,7% e 3,6%; Para a América do Norte, 5,2% e 1,9%; Para a Europa Ocidental, 5,5% e 0,9%; Para Japão, 12,0% e 4,1%; Para a URSS, 8,0% e 3,7%; Para o Brasil, 9,1% e (0,2%).
O paralelismo entre o que ocorre, em todas as regiões significativas do mundo desenvolvido e em nossos dois países, salta aos olhos. Desta vez, nossos países não se estão furtando aos imperativos da conjuntura mundial. Ou não se poderão furtar até que se resolva o problema da passagem a formas superiores de planejamento.
A ideia de um retorno a formas não-planificadas de desenvolvimento não tardará a ter o destino que merece: a lata de lixo da história.
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