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O trem-bala e sua importância para o país

Folha de S. Paulo (28/01/1989)


Noticia a imprensa que o Ministério dos Transportes estuda, em fase conclusiva, a adoção de um projeto de implantação de uma linha ferroviária de velocidade não inferior a 200 km/h, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, capital, e a Campinas. Ao todo 500 km, e nem seria necessário dizer que não se trata de um projeto convencional. Afinal, ninguém é culpado de que o coração industrial do país tenha sido historicamente implantado num nó de montanhas. Lembro-me de que quando os japoneses estiveram estudando esse mesmo projeto, falou-se em um túnel de dezenas de quilômetros, só para dar acesso ao Vale do Paraíba, partindo da baixada fluminense.


Também não será preciso prognosticar que esse empreendimento encontrará resistências não menos porfiadas que as que se esboçaram e prosseguem, no caso da linha Norte-Sul. Nem que Ignácio Rangel simpatizaria com ele, tal como no caso da linha Norte-Sul. Com Lúcio Meira, na assessoria econômica do presidente Vargas e no Ministério da Viação e Obras Públicas, no governo JK, trabalhei rijo pela implantação do sistema rodoviário que hoje temos, mas, quem se der o trabalho de ler o capítulo Transportes e Comunicações, da Mensagem de 1953, do Presidente da República ao Congresso Nacional, verá que, já àquele tempo, eu sabia que a industrialização do Brasil podia começar a fazer-se sobre rodas de caminhão, mas o coroamento teria que ser ferroviário. A redação daquele capítulo me fora confiada por Rômulo Almeida.


Ora, o futuro, como é do seu vezo, acabou por chegar. No início dos anos 50, o transporte de mercadorias, no Brasil, dividia-se por partes iguais, aproximadamente, entre a cabotagem, a ferrovia e a rodovia. Eu observara, de longa data, que a navegação de cabotagem, não obstante seu importante papel em todas as fases do nosso desenvolvimento, propendia para a regionalização da economia, a qual se organizara em torno de todo um rosário de porto-empórios. A ferrovia, quase todo orientada para esses porto-empórios, reforçava essa tendência regionalizante.


Não faz falta insistir em que esse regionalismo econômico é hostil à industrialização, a qual exige a integração maior possível do mercado nacional. Objetivamente, o interesse dessa integração era servido pelo caminhão, notoriamente rebelde a qualquer disciplina ou planejamento. Na prática, essa tendência anárquica do transporte rodoviário ia saltando por cima das barreiras inter-regionais e, posto que involuntariamente, unificando o mercado nacional e, por isso mesmo, promovendo a industrialização.


Talvez sentindo isso, o presidente Vargas – o patrono da indústria brasileira – que, como ninguém do meu conhecimento sabia auscultar as tendências gerais da sociedade brasileira, recomendava a sua assessoria que, para vencer as resistências aos seus grandes projetos, como a Petrobrás e a Eletrobrás, buscássemos o apoio do que ele ironicamente chamava de “Partido Rodoviário”. Este, que era predominante no seio de todos os partidos oficiais do Congresso, podia ser usado como ponta-de-lança para quebrar as resistências mais tenazes.


Mas a industrialização não é mais um sonho de progressistas, neste Brasil dos anos 80. É uma sólida realidade e, para preparar o advento das subsequentes etapas do seu desenvolvimento, já não pode mais assentar o seu sistema de transportes na cabotagem e na rodovia. A espinha dorsal do sistema tem que ser a ferrovia. Não mais aquela ferrovia de “Maria Fumaça” e de vias serpentejantes pelos vales, mas a ferrovia diesel ou elétrica, trafegando, em altas velocidade, por vias tão próximas quanto possível da linha reta, o que as converte numa sequência de obras de arte. Como será, necessariamente, o nosso trem-bala.


Quem conhece Rangel sabe também que, sob meu ponto de vista, o feito institucional do projeto, tal como esta Folha esboçou, há dias, deixa a desejar. Não pelo seu viés privatizante, onde vejo, precisamente, o seu lado forte, mas por certos aspectos do direito implícito de concessão. Aquela liberdade absoluta de fixação da tarifa, conferida ao concessionário, tem que ser recebida com um grão de sal. Os parâmetros da tarifa devem ser fixados pelo poder concedente e pelo menos parte de que, na tarifa, exceder o custo, deverá ser incorporado à reserva de depreciação, encurtando implicitamente o prazo da concessão.


Mas eu costumo lembrar que este país teve a habilidade de fazer o príncipe-herdeiro da coroa de Portugal proclamar a sua independência. Este feitio incorporou-se ao nosso modo natural de ser e as sucessivas reformas pelas quais temos vindo queimando rapidamente as etapas do desenvolvimento social e econômico acabam sendo feitas por homens de direita. Da nossa excelente direita.


Com efeito, seria inconcebível montarmos nossos serviços de utilidade pública nas bases atribuídas pela imprensa ao projeto do trem-bala do Ministério dos Transportes. Mas, já que não tivemos o necessário bom senso de refundir nosso direito de concessão, o preço exigido para um projeto específico não bastará para quebrar-nos os ossos. E faremos, depois, o que não soubemos fazer antes.

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