URSS: a era Yeltsin
- Armen Mamigonian
- 25 de ago. de 1991
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de fev.
Jornal O Estado (25/08/1991)
Yelstsin solicitou à ex-premier da Grã-Bretanha, Margaret Thastcher presidir uma comissão médica internacional de exame da pretensa doença de Gorbachev. O assessor militar de Yeltsin, general Konstantin Kobets defendeu “absolutamente o princípio de que todos os autores do golpe devem ser fuzilados”. Fim do golpe amplia espaço de influência de Washington no mundo. Ao longo das horas em que resistiu ao golpe, Boris Yeltsin teve como interlocutor privilegiado o presidente Bush. Moscou ampliará pedido de ajuda externa, em troca de maiores concessões ao Oriente. A radicalização à reforma econômica, que marcará a “era Yeltsin”. Causará o fechamento de milhares de empresas, haverá maciço desemprego. Instituições financeiras como o FMI, exigirão programas de austeridade. Yeltsin anunciou que a Rússia substituiu a bandeira vermelha rir uma branca, azul e vermelha, semelhante a da Rússia tzarista, e ordenou a dissolução das organizações comunistas nas Forças Armadas soviéticas estacionadas em território russo.
O que significa a “era Yeltsin” que se inicia na URSS? As notícias acima descritas dos jornais de quinta e sexta-feira dão conta das tendências que deverão marcas a evolução da URSS nos próximos meses. Assim como a revolução puritana inglesa (1640-49), que decapitou o rei, foi erguida de uma restauração monárquica absolutista, que mais tarde foi substituída pela monarquia parlamente imposta pela revolução gloriosa (1688), a revolução soviética, que transformou o mundo no século XX, corre risco de restauração do capitalismo, não militarmente como tentaram os intervencionistas após 1917 e Hitler em 1941, mas de dentro para fora, pela ação de setores ocidentalizes da burocracia privilegiada, que abrem mãos dos avanços gigantescos conquistados pela sociedade soviética, inclusive os instrumentos de planejamento, em favor do que chamam “economia de mercado”, que os apologistas do capitalismo denominam gloriosamente “Livre iniciativa”.
A. Smith chamou de “mão invisível”, mas Marx caracterizou agudamente como anarquia da produção. Trata-se de mais um caso de apostasia, como tem apontado brilhantemente Ignácio Rangel, para lembrar a tentativa do imperador Juliano de abandonar o Cristiano vitorioso e substituí-lo pelas idéias helenísticas e mitológicas ultrapassadas. Agora trata-se de abandonar as idéias vitoriosas do marxismo, em favor das idéias caducas do capitalismo (“cada um por si e Deus contra todos”, no dizer de Mário de Andrade), como supra-sumo da história, num movimento defensivo e de profundo complexo de inferioridade destes restaurantes pragmáticos. A propaganda capitalista “esquece” de dizer que a URSS, Japão e Brasil foram os países que mais cresceram no mundo no período 1930-80, enquanto na crise de 30 EUA e Europa Ocidental caíram em profunda depressão.
Mas como assinalou Kondratieff não se tratava de crise geral do capitalismo, como pretendia Lênin e sim um movimento cíclico. As partes centrais do capitalismo estavam em conjuntura depressiva, desde 1973. Agora também não se trata de crise geral do socialismo, pois as estatísticas mostram que no período 1980-90, a década perdida para a América Latina controlada pelos EUA, a China comunista foi o país que mais cresceu no mundo, a taxas anuais de 10% ao ano, quando o Japão não alcançou 4%. Na verdade a URSS, como o acidente após 1973, passou a viver um período depressivo após 1980 e não estava preparada teoricamente para enfrentá-lo, pois as idéias de ciclos econômicos haviam sido abandonadas, aliás também no Ocidente.
Trata-se de superar o processo de acumulação socialista, que tinha sido semelhante ao processo brasileiro de substituições de importações, por um novo modelo de acumulação, baseado na automação e conseqüente diminuição da jornada de trabalho, introdução de autogestão nas unidades produtivas e conseqüente democratização socialista. Entretanto, a sociedade civil soviética enfraquecida pela burocracia, a mesma que produziu Gorbachev e Yeltsin populistas, desde a derrota da oposição operária, conforme assinalou Alexandra K. que provocou a perda de autonomia dos sindicatos e dos soviets. Durante a década de 20 a efervescência política e cultural que tinha dado origem a Einstein, Kondratieff, Maiakowski, Stravislaski, Chagall etc foi substituído pela camisa de força do marxismo como religião oficial, que é substituído pelo jeans, McDonalds, Coca-Cola etc.
Entretanto a URSS se modernizou aceleradamente e não foi o general inverno que ganhou a segunda guerra mundial como pretende a propaganda capitalista, mas o poder soviético, armado dos tanques e aviões mais eficientes da época. Hoje, cidades de um milhão de habitantes possuem metrôs modernos, a indústria aeroespacial soviética é a mais avançada que a americana, assim como vários inventos tecnológicos revolucionários do pós-guerra saíram dos laboratórios soviéticos. Se serão as políticas de abandono de planejamento, a privatização, o desemprego de milhões e milhões de trabalhadores soviéticos, a pretexto de modernização, que superarão a crise, como a política recessiva na Alemanha Oriental, na Polônia etc tem demonstrado. Como no Brasil colorido também.
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